Livro 4
Copyright © Ordo Templi Orientis
por FRATER PERDURABO (Aleister Crowley) e SOROR VIRAKAM (Mary d'Este Sturges)
Uma Observação
Este livro não é um trabalho completo de Frater Perdurabo. A experiência demonstra que seus escritos são muito concentrados, obtusos e ocultos para aqueles de mente ordinária. Pensamos que estes apontamentos reunidos de nossas conversas casuais demonstram ser mais inteligíveis e convincentes e provê o estudante com um estudo preliminar para que possa se concentrar na Grande Obra desde o ponto de vista de alguns conhecimentos gerais e a compreensão de suas ideias na forma em que ele as figura.
A Segunda parte de Magick é mais avançada do que a primeira. Espera-se que o estudante conheça um pouco da literatura referente ao tema e que tome um ponto de vista inteligente do mesmo. Essa parte é realmente a explicação da primeira, que em si é somente um esquema.
Se as duas partes são estudadas com profundidade e compreendidas, o aluno obterá todos os fundamentos essenciais da Magia e do Misticismo.
Eu escrevi este livro dos ditados de Frater Perdurabo na Vila Caldarazzo, Posilippo, Nápoles, onde eu estudava sob sua tutela. Essa Vila nos foi profetizada muito antes de chegarmos a Nápoles por aquele irmão da A...A... que me apareceu em Zurique. Todos os pontos obscuros se esclareceram (os discursos foram agrupados). Antes de levarmos a obra para gráfica ela foi totalmente lida por várias pessoas de mais ou menos uma inteligência média e todos os pontos relativamente obscuros foram retirados.
Que todo o Caminho esteja claro para todos!
Frater Perdurabo é o mais honesto dos Mestres de todas as religiões. Outros disseram: “Creiam em mim”, mas ao contrário, ele disse: “Não creiam em mim”. Ele não pede seguidores; ele os despreza e os rechaça. Ele quer um corpo de estudantes que confiem em si mesmos e que sigam seus próprios métodos de investigação. Se ele pode ajudar-lhes dando-lhes “conselhos” em suas dificuldades, seu trabalho foi realizado com satisfação.
É um absurdo ver aqueles que desejavam que os homens acreditassem neles. Uma língua persuasiva, uma espada eficiente ou tortura produziram esta “fé” que é contrária e destrutiva a verdadeira experiência religiosa.
Toda a vida de Frater Perdurabo está agora dedicada para que tu obtenhas esta experiência viva da verdade para pô-la em ti mesmo!
SOROR VIRAKAM (Mary d'Este Sturges).
Livro Quatro
por Frater Perdurabo e Soror Virakam
PARTE I
MEDITAÇÃO
A forma de obtenção do gênio ou divindade considerada como um desenvolvimento do cérebro humano
Emitido por
ordem da GRANDE
FRATERNIDADE BRANCA
conhecida como A∴A∴
Testemunhe nosso Selo,
N∴
Praemonstrator-General
Introdução
A existência, como nós conhecemos, é cheia de sofrimento. Para mencionarmos um só fator secundário: todo homem é um condenado à morte; ele apenas ignora a data da execução. Isso é desagradável para qualquer um. Portanto, cada qual faz o possível para adiar a data, e sacrificaria tudo o que tem se pudesse anular a sentença.
Praticamente todas as religiões e filosofias angariaram seu sucesso inicial prometendo a seus aderentes a imortalidade como recompensa.
Nenhuma religião até hoje fracassou por não prometer o bastante; a presente derrocada de todas as religiões deve-se ao fato de que os devotos pediram para ver as garantias. O ser humano tem renunciado mesmo às grandes vantagens de uma religião bem organizada que confere um Estado do pondo de vista mundano, afim de não cooperarem com uma fraude ou uma falsidade; e até para não cooperarem com qualquer sistema que, embora não provado culpado de mentira, tenha sido incapaz de provar sua inocência.
Já que estamos mais ou menos na bancarrota, será melhor atacar o problema de novo, desde o princípio, sem ideias preconcebidas. Existirá qualquer verdade em todos os protestos das diversas religiões? Descubramos um jeito de submeter às afirmações delas ao teste da experiência.
Nossa primeira dificuldade está na enorme riqueza de material para exame. Fazer uma crítica de todos os sistemas seria uma tarefa interminável: a nuvem de testemunhos é por demasiado grande. Mas toda religião é igualmente positiva em suas asserções, e toda religião exige fé. Esta nós recusamos por falta de provas científicas. Porém podemos com proveito indagar se existe algum ponto sobre o qual todas as religiões têm concordado; pois se existir algo em comum entre elas, é possível que este ponto em comum mereça uma séria investigação.
Está claro que não encontramos isso nos dogmas das religiões. Mesmo a ideia – tão simples – de um ente eterno e supremo é negada por um terço da raça humana. Lendas de milagres são, talvez, universais; mas estas, na falta de provas convincentes, são repugnantes ao bom senso.
Mas e quanto à origem das religiões? Como é que afirmativas não provadas tão frequentemente compeliram a aceitação por parte de todas as classes humanas? Não é isso, por si só, um milagre?
Existe uma forma de milagre que com certeza acontece: a influência do gênio. Não existe nenhuma analogia com este fenômeno da natureza. Não podemos sequer receber um “supercão” transformando o mundo dos cães, enquanto na história da humanidade isso acontece com regularidade e frequência. Tomemos, então, três “super-homens”, todos os três brigando entre si: o que há de comum entre Cristo, Buda e Maomé? Existe algum ponto sobre o qual todos os três estejam de acordo?
Nenhum ponto de doutrina em comum, nenhum conceito de ética em comum, nenhuma teoria do “além” em comum; no entanto, nas histórias de suas vidas, percebemos um acordo entre muitos desacordos. Que acordo será esse?
Buda nasceu príncipe e morreu mendigo.
Maomé nasceu mendigo e morreu príncipe.
Cristo permaneceu desconhecido até muitos anos depois de sua morte.
Inúmeras biografias têm sido escritas por seus devotos, no entanto, existe um ponto de acordo na vida dos três: uma lacuna. Não sabemos nada sobre Cristo entre doze e trinta anos de idade. Igualmente, antes de ser profeta, Maomé desapareceu numa caverna. Buda deixou seu palácio e passou longos anos no deserto.
Cada um dos três, completamente desconhecido até desaparecer, voltou e imediatamente começou a pregar uma nova lei.
Isso é tão curioso que nos leva a perguntar se as biografias de outros grandes instrutores contradizem e confirmam essa coincidência.
Moisés levou uma vida pacata até matar um egípcio. Então fugiu para terra de Midian, e não sabemos nada sobre o que ele fez ali. No entanto, mal voltou para o Egito e virou tudo de pernas para o ar. Mais tarde, também, ausentou-se no monte Sinai por alguns dias, e voltou com as Tábuas da Lei na mão.
São Paulo após uma aventura na estrada de Damasco foi para o deserto da Arábia, onde permaneceu muitos anos; e ao regressar, derrubou o Império Romano. Mesmo nas lendas de selvagens encontramos o mesmo ponto de acordo: alguém sem a mínima importância vai embora durante um prazo curto ou longo, e volta como “o grande curandeiro”; mas não se sabe exatamente o que aconteceu com ele.
Descontando todos os outros detalhes como fábulas ou mitos, conservamos essa coincidência única: Um ninguém se ausenta e volta alguém. Isso não pode ser explicado de nenhuma maneira usual.
Não existe qualquer base para se crer que esses homens tenham sido, desde o princípio de suas vidas, criaturas excepcionais. Maomé dificilmente teria permanecido um condutor de camelos até os trinta e cinco anos de idade se tivesse possuído qualquer talento ou ambição. São Paulo tinha, originalmente, muito talento: mas ele é o menos importante dos cinco. Nem parece que eles tenham possuído qualquer das alavancas usuais do poder, tais como posição social, fortuna ou influência política.
Moisés era um homem relativamente importante no Egito antes de sair de lá; mas regressou um simples estrangeiro.
Cristo não foi à China casar com a filha do imperador durante seus anos de silêncio.
Maomé não estivera angariando pessoas nem treinando soldados.
Buda não consolidou nenhuma organização religiosa.
São Paulo não tinha estado conspirando com algum general ambicioso.
Cada um deles voltou pobre; cada um deles voltou só.
Qual era a natureza de seu poder? Que aconteceu com eles durante sua ausência?
A história não nos auxiliará a resolver o problema, pois a história nada diz.
Temos apenas coisas contadas por estes homens mesmos.
Seria espantoso se nós verificássemos que essas coisas concordam entre si.
Dos grandes instrutores que mencionamos. Cristo se cala; os outros quatro nos contam algo, uns mais, outros menos.
Buda entra em demasiados detalhes para serem comentados aqui; mas um resumo, de uma forma ou de outra, ele se apoderou da força secreta do mundo, e amestrou-a.
Das experiências de São Paulo temos apenas uma alusão casual ao fato de que ele “foi arrebatado ao céu, e ouviu coisas que é proibido dizer”.
Maomé fala simplesmente da “Visão do Anjo Gabriel”, que lhe comunicou coisas de “Deus”.
Moisés diz que ele “viu Deus”.
Diferentes como pareçam a primeira vista estas afirmativas, todas coincidem em anunciar uma experiência de tipo que há cinquenta anos teria sido chamada de sobrenatural; que hoje em dia pode ser chamada de espiritual, e que daqui a cinquenta anos terá um nome científico, baseado numa compreensão do fenômeno ocorrido.
Os teólogos a têm explicado; mas de várias formas.
Os maometanos, por exemplo, insistem em que Deus existe, e em que realmente mandou Gabriel com recados para Maomé. Os outros todos contradizem isto, e chamam os maometanos de mentirosos. E por causa da natureza mesma do assunto, provar a verdade ou a mentira é impossível.
A falta de provas tem sido sentida tão fortemente pelo Cristianismo (e em grau menor pelo Islamismo) que novos milagres têm sido manufaturados quase que diariamente para apoiar a oscilante estrutura do dogma. O moderno pensamento materialista, rejeitando esses milagres, adotou teorias que sugerem epilepsia e loucura. Como se a organização pudesse provir a desordem! Mesmo se a epilepsia fosse a causa dos grandes movimentos que têm extraído do barbarismo uma civilização após a outra, isto seria um argumento em favor do culto da epilepsia.
Claro, grandes homens nunca se conformarão com os padrões de homens baixos, e aqueles cuja missão é reformar o mundo nunca poderão escapar ao título de revolucionários. As moedas de cada época sempre fornecem os termos de abuso. O condicionamento de Caifás era o judaísmo ortodoxo, e os fariseus disseram-lhe que Cristo “blasfemara”. Pilatos era um romano leal ao Império; a ele, acusaram Cristo de “subversivo”. Mais tarde, quando os papas tinham o poder, bastava acusar um inimigo de “herege”. Avançando para os dias atuais em direção a uma oligarquia médica, nós tentamos provar que nossos oponentes são “insanos”, e (em um país puritano) atacar suas “morais.” Convém, pois, evitarmos a demagogia e retórica, e investigarmos com plena imparcialidade os fenômenos que ocorrem com esses grandes guias da humanidade.
Não é difícil compreendermos que estes homens, eles mesmos, não percebam claramente o que ocorrera com eles. O único que explica seu sistema por completo é Buda, e Buda é o único que não é dogmático. Podemos também supor que os outros julgaram pouco aconselhável explicar o processo com demasiada clareza aos seus seguidores; São Paulo evidentemente foi desta opinião.
Nosso melhor campo de pesquisa seria, portanto, o sistema de Buda 1), mas este é tão complexo que nenhum resumo serviria. É no caso dos outros, que não temos os relatos dos Mestres mesmos, temos aqueles dos seus seguidores mais imediatos.
Os métodos aconselhados por toda essa gente mostram uma notável semelhança. Eles recomendam conduta virtuosa (definindo essa conduta de várias formas), solidão, calma, dieta moderada e finalmente uma prática que alguns deles chamam de “oração” e outros chamam de “meditação”. Note que as quatro práticas prévias são apenas para estabelecer condições favoráveis para a última.
Investigando o que eles tentam expressar pelos termos “oração” e “meditação”, verificamos que significa o mesmo. Pois, qual é o estado de meditação e oração? É a restrição da mente e a um ato único, a um único estado ou pensamento. Se nos sentarmos quietamente, e investigarmos o conteúdo de nossas mente, perceberemos que, mesmo nas ocasiões mais favoráveis, as características principais são a divagação e distração. Quem tiver lidado com crianças, ou com mentes destreinadas em geral, saberá que a fixidez da atenção nunca está presente, mesmo onde existe grande inteligência e boa vontade.
Se, nossas mentes estando mais treinadas, decidimos controlar o pensamento divagante, verificamos que somos (mais ou menos!) capazes de manter os pensamentos em marcha, um atrás do outro, num canal estreito, cada pensamento ligado ao seguinte de uma forma perfeitamente lógica: mas se tentamos para a marcha verificamos que, longe de sermos bem sucedidos, apenas demolimos as margens do canal. A mente se derrama, e em vez de uma cadeia de pensamentos temos um caos de imagens confusas.
Essa atividade mental é tão grande, e parece tão natural, que é difícil compreender como alguém teve pela primeira vez a ideia de que tanta atividade é apenas uma fraqueza e um distúrbio da consciência. Talvez tenha sido porque, na prática (mais comum) de devoção religiosa, as pessoas tenham percebido que seus pensamentos interferiam. Mas de qualquer forma, é claro que a calma e o autocontrole são preferíveis à inquietação. Charles Darwin trabalhando em seu escritório é uma criatura bem diversa de um macaco pulando em sua jaula.
Em geral, quanto maior, mais forte e mais elevado na escala evolutiva um animal seja, menos ele se move; e quando se move, seus movimentos são lentos e cheios de propósito. Compare a atividade incessante de bactérias com a firmeza ponderada de um castor. Também, exceto nas poucas comunidades de animais organizados, tais como as abelhas, a inteligência maior é demonstrada por animais com hábitos solitários. Este fato, que é verdade nos animais menos evoluídos, é tão evidente no homem que os psicólogos são forçados a tratar do estado mental das multidões como sendo totalmente diverso em qualidade de qualquer estado mental possível a um indivíduo isolado.
É libertando a mente de influências externas, quer acidentais, quer emotivas, que a tornamos capaz de discernir algo da verdade das coisas.
Percebendo isso, insistimos em nossa prática. Decidimos que vamos nos tornar senhores de nossas próprias mentes. Bem depressa percebemos que as condições são favoráveis a este fim.
Talvez a primeira percepção será a de que todas as influências externas serão, em sua esmagadora maioria, desfavoráveis ao processo de conquista mental. Caras novas, cenas novas, nos inquietarão; mesmo os novos hábitos de conduta que adotamos como propósito de sossegar a mente tenderão, no princípio, a agitá-la. Também deveremos renunciar ao hábito de comer demais, e seguir a regra natural de comer apenas quando temos fome, escutando a voz interior que nos diz que ingerimos o suficiente.
A mesma regra se aplica ao sono. Se decidirmos controlar nossa mente, a nossa hora de meditação deve ter precedência sobre qualquer outra atividade.
Teremos que fixar nossas horas de práticas, e tornar móveis nossas horas de lazer. A fim de medirmos nosso progresso – pois verificamos que, como tudo o que tem haver com os processos fisiológicos, a meditação não pode ser apenas medida pelas sensações – teremos um caderno de notas, um lápis e um relógio. Então nos esforçaremos a anotar com frequência, durante (por exemplo) quinze minutos de prática, a mente se desvia da ideia na qual tínhamos resolvido concentrá-la. Praticaremos isto, digamos, duas vezes ao dia; à medida que persistirmos, a experiência nos ensinará que condições são favoráveis à prática e quais não. Antes de termos feito isso por muito tempo, quase que infalivelmente ficaremos impacientes; perceberemos que temos que fazer uma porção de outras coisas a fim de auxiliar nossa prática. Novos problemas aparecerão constantemente, e terão que ser enfrentados e resolvidos.
Por exemplo: certamente descobriremos que nos mexemos sem parar durante a prática. Perceberemos que nenhuma posição do corpo é confortável, se bem que nunca antes notamos isto em toda a nossa vida!
Esta dificuldade tem sido resolvida por uma prática chamada Asana, que será descrita mais adiante.
As memórias dos acontecimentos do dia nos incomodarão: devemos organizar nossos dias de forma a que nada de notável aconteça. Nossas mentes nos recordarão nossas esperanças, nossos medos, nossos amores, nossos ódios, nossas ambições, nossas invejas, e muitas outras emoções. Todas estas memórias têm que ser cortadas. Não devemos ter qualquer interesse na vida a não ser aquietar nossas mentes.
Esta é a finalidade dos votos monásticos usuais de pobreza, castidade, e obediência. Se você não tem posses, não tem nada que lhe cause ansiedade; sendo casto, não tem outra pessoa para lhe preocupar e distrair sua atenção; e se está voltado à obediência, o problema de como proceder não lhe afeta. Você apenas obedece.
Existem inúmeros outros obstáculos que você descobrirá à medida que prosseguir, e trataremos deles mais adiante. Mas, por enquanto, pularemos isso tudo para falar do momento em que você se aproxima do sucesso.
Nos seus esforços iniciais você poderá ter tido dificuldade em conquistar o sono, e ter se desviado do assunto de sua meditação a tal ponto que sem você notar a meditação poderá ter sido interrompida. Porém, muito mais tarde, quando estiver ficando mais perito, você ficará chocado ao perceber que se esqueceu por completo de si mesmo, do que estava fazendo, e até de onde estava! Você dirá: “Puxa, eu devo ter dormido!” ou então, “Sobre o que é que eu estava mesmo meditando?” ou “Que é que eu estava fazendo?” “Onde estou?”, “Quem sou eu?” Ou uma simples confusão e desnorteamento inexprimível podem atordoar você. Isto poderá lhe causar alarme, e seu alarme não diminuirá quando você retomar por completo à consciência normal e ponderar que acabou de esquecer quem era e o que estava fazendo!
Esta é apenas uma das muitas aventuras pelas quais você poderá passar; mas é das mais comuns. Quando ela ocorrer, suas horas de meditação estarão ocupando a maior parte do seu dia, e você provavelmente estará tendo constantes pressentimentos de que algo inusitado está para acontecer. Você poderá também estar amedrontado com a ideia de que seu cérebro está prestes a ceder sob a tensão; mas, a essa altura, você terá aprendido a reconhecer os verdadeiros sintomas de fadiga mental, e terá cuidado em evitá-los. Eles devem ser cuidadosamente distinguidos da preguiça!
Em certas ocasiões você sentirá como se houvesse uma luta entre a vontade e a mente; em outras, poderá sentir que elas estão em harmonia. Existe um terceiro estado, diferente dos dois primeiros, e sinal certeiro de que o sucesso está próximo: é quando a mente flui simplesmente em direção ao assunto escolhido, não como se estivesse obedecendo à vontade de seu dono, porém, como se fosse sem ordem ou instigação, ou como se estivesse sob controle de algo impessoal: como se estivesse caindo por seu próprio peso, e não sendo puxado para baixo. Isto é, como um corpo em queda livre no espaço.
Quase sempre, no momento em que nos tornamos cônscios de que este estado está ocorrendo, a sensação cessa e o velho combate entre o vaqueiro (vontade) e o cavalo bravio (mente) recomeça.
Como em todos os outros processos fisiológicos, a consciência dela implica desordem ou doença.
Ao analisar a essência deste trabalho de controlar a mente, o estudante perceberá que duas coisas estão envolvidas: a pessoa que vê e a coisa que é vista; o conhecedor e a coisa conhecida; e acabará por considerar esta dupla como condição necessária de todo estado de consciência. Estamos demasiadamente acostumados a admitir como fatos demonstrados coisas sobre as quais não temos sequer o direito de dar palpites. Supomos, por exemplo, que os estados inconscientes são grosseiros e lerdos. No entanto nada é mais certo que, quando os órgãos de nossos corpos estão funcionando bem, eles funcionam em silêncio mental. Até o sono mais repousante é aquele sem sonhos. Mesmo no caso de jogos que necessitam de grande habilidade e destreza manual, as nossas melhores jogadas são seguidas pelo pensamento: “Não sei como pude fazer isto tão bem!”; e não podemos repetir essas melhores jogadas a qualquer hora. No momento em que começamos a pensar conscientemente sobre uma jogada, “ficamos nervosos”, e estamos perdidos.
Na realidade existem três tipos principais de jogadas: a má jogada, que associamos corretamente com a falta de concentração; a boa jogada, que associamos corretamente com a concentração intensa; e a jogada perfeita, a qual parece ser uma simples questão de sorte que não conseguimos compreender, mas na realidade resulta do hábito de fixidez da atenção se ter tornado inconsciente, independente da vontade, e assim capacitado a agir por conta própria.
Este é o mesmo fenômeno que mencionamos acima como sendo um bom sinal.
Por fim, algo acontece cuja natureza será discutida com mais detalhe adiante. Por enquanto diremos apenas que aquela consciência da dupla Ego e Não-Ego, vidente e coisa vista, conhecedor e a coisa conhecida, é aniquilada.
Em geral sente-se um enorme clarão, um som intenso, e uma felicidade tão grande que místico após místico têm esgotado todos os recursos da linguagem tentando descrevê-la.
É um nocaute absoluto da mente. É uma experiência tão vivida e tão tremenda que aqueles com quem ela ocorre ficam em grande perigo de perder o senso de proporção.
À luz desta experiência, todos os outros fenômenos da vida são como uma escuridão. Por isto, aqueles que a tiveram no passado fracassaram completamente em suas tentativas de analisá-la ou medi-la. A maior parte deles declarou, com exatidão, que, comparada com esta experiência, a vida humana normal é completamente sem valor. Mas eles foram adiante, e erraram. Argumentaram que, desde que esta experiência transcende o natural, ela deve ser sobrenatural, divina. Uma das tendências de suas mentes era a esperança de um “céu” tal como seus pais e professores lhes descreveram, ou tal como eles mesmos conceberam; e sem qualquer evidência científica para assim fazer, eles presumiram que “Isto é Aquilo”.
No Bhagavad-Gita uma visão deste tipo é, naturalmente, atribuída à aparição de Vishnu, que era o deus local naquela época.
Anna Kingsford, que estudou um pouco do misticismo hebraico, e era uma feminista, teve uma visão quase idêntica; mas chamou a figura divina que ela viu, alternativamente de “Adonai” e “Maria”.
Agora, essa mulher, apesar de prejudicada por um cérebro que era uma massa de polpa de podre, e por uma completa falta de status social, educação e caráter moral, não mais no mundo religioso do que qualquer outra pessoa que havia feito por gerações. Ela, e somente ela, fez a Teosofia possível, e sem a Teosofia o interesse mundial em assunto semelhante poderia nunca ter sido despertado. Este interesse é para a Lei de Thelema o que a pregação de João Batista foi para o cristianismo.
Podemos agora perceber o que aconteceu com Maomé. De uma forma ou de outra, este tipo de fenômeno ocorreu na mente dele. Menos bem informado do que Ana Kingsford, porém de maior caráter, ele relacionou o acontecimento com a lenda da “Anunciação”, que com certeza ouviu relatar quando menino, e disse: “Gabriel me apareceu.” Mas a despeito de sua ignorância, de sua total falta de concepção da realidade dos fatos, o poder da experiência foi tal que ele persistiu através da perseguição usual, e fundou uma religião à qual, mesmo em nossos dias, um ser humano em cada oito pertence.
A história do cristianismo mostra exatamente o mesmo fato significativo. Jesus Cristo crescera ouvindo as fábulas do “Velho Testamento”, e, assim condicionado, atribuiu suas experiências a “Jeová”, se bem que seu espírito gentil não podia ter tido nada em comum com a egrégora que estava sempre comandando o estupro de virgens e o massacre de criancinhas, e cujos ritos eram então, e em algumas partes do mundo ainda são em nossos dias, celebrados com sacrifícios humanos 2).
Semelhantemente, as visões de Joana d’Arc eram inteiramente cristãs; mas como todos os outros já mencionados, ela encontrou algures a força para realizar grandes coisas. Naturalmente, pode ser dito que existe uma falácia em nosso argumento; pode ser afirmado que todas essas pessoas nobres realmente “viram Deus”, mas não se conclui disto que todo mundo que “veja Deus” venha também a causar grandes mudanças no mundo.
Isto é verdade. De fato, a maioria das pessoas que afirmam que “viram Deus”, e que sem dúvida “viram” tanto de “Deus” quanto estes já mencionados, nunca fez nada além de ter suas “visões”.
Porém, talvez, seu silêncio seja um sinal não de sua fraqueza, mas de sua força. Talvez esses “grandes homens” de que falamos sejam na realidade os fracassos da experiência iniciática. Talvez fosse melhor não dizer nada; talvez apenas uma mente desequilibrada desejasse alterar o status quo, ou pudesse crer que alterá-lo é possível. Mas existem aqueles que consideram, mesmo nos mundos celestes, a existência intolerável enquanto um só ser vivo não puder partilhar daquela alegria. Existem os que regressam do limiar mesmo da câmara nupcial para auxiliar aos convidados que se atrasaram.
Esta foi, pelo menos, a atitude adotada por Gautama Buda. Nem ficará ele sozinho.
Podemos também mencionar o fato de que a vida contemplativa está geralmente oposta à vida ativa, e um equilíbrio extremamente cuidadoso é necessário para evitar que uma absorva a outra.
Como veremos mais adiante, a “visão de Deus”, ou “União com Deus”, ou “Samadhi”, ou o que quer que concordemos em chamar essa experiência, tem muitos tipos e muitas gradações, embora exista um abismo intransponível entre a mínima dessas gradações e mesmo os mais elevados fenômenos da consciência normal. Resumindo, nós afirmamos a existência de uma fonte secreta de energia que explica os fenômenos do gênio 3). Não cremos em quaisquer explicações sobrenaturais, mas insistimos em que essa fonte pode ser alcançada se seguirmos regras definidas, pois o grau de sucesso depende da capacidade do praticante, e não da “graça” de qualquer “Ser Divino”. Afirmamos que o fenômeno culminante que determina sucesso é uma ocorrência no cérebro caracterizada pela união de sujeito e objeto. Propomo-nos a discutir este fenômeno, analisar sua natureza, determinar claramente as condições físicas, mentais e morais que lhe são favoráveis, descobrir suas causas, e assim produzi-lo em nós mesmos, para que possamos estudar adequadamente os seus efeitos.
Capítulo I Asana
O problema que enfrentamos pode ser enunciado desta forma simples: uma pessoa deseja controlar sua mente, ser capaz de pensar num certo pensamento durante o tempo que quiser, sem interrupção.
Como já mencionamos, a primeira dificuldade vem do corpo físico que persiste em chamar para si a atenção de sua vítima através de comichões e outras coisas. A pessoa deseja se espreguiçar, se coçar, espirrar. Este incômodo é tão persistente que os hindus (científicos a seu modo) conceberam uma prática especial para neutralizá-lo.
A palavra asana significa postura; mas como todas as palavras que tem causado discussão, seu significado exato se alterou com o tempo, ela tem sido usada com significados diversos por autores diversos. A maior autoridade sobre Yoga 4) é Patanjali. Ele diz: “Asana é aquilo que é firme e agradável.” Isto pode ser interpretado como a descrição do sucesso na prática. Sankhya, outro autor clássico sobre Yoga diz: “Postura é aquilo que é firme e fácil.” E diz também: “Que postura que é firme e fácil é uma asana; não existe outra regra.” Isto é, qualquer postura serve.
De certa forma isto é verdade, pois qualquer postura mais cedo ou mais tarde se torna intolerável. A firmeza e a facilidade são a marca de um definido estágio de progresso, como será explicado mais adiante. Os livros hindus, tais como o Shiva Sanhita, descrevem uma quantidade de posturas: muitas, talvez a maioria, impossíveis para o homem ocidental mediano. Outros livros insistem em que a cabeça, o pescoço e a espinha devem ser conservados na vertical, eretos, por motivos ligados ao assunto de Prana, do qual trataremos adiante também. As posições ilustradas em Liber E (Equinox I, 1 e 7) formam o melhor guia. 5))
O máximo em asana é praticado pelos iogues que permanecem a vida inteira numa só posição, sem se moverem exceto em caso de absoluta necessidade. Não devemos criticar tais pessoas sem um conhecimento completo de seus motivos. Tal conhecimento ainda não foi dado a público.
Porém, podemos afirmar com segurança que desde que os grandes homens que já mencionamos não agiram assim, não é necessário que seus emuladores o façam. Escolhamos então uma posição que nos convenha, e observemos o que ocorre. Existe uma espécie de meio termo equilibrado entre a rigidez e o relaxamento muscular. Os músculos não devem ficar retesados; ao mesmo tempo, não devem ser deixados soltos. É difícil expressar a situação. Preparado para se mover talvez seja a melhor descrição. Um senso de alerta físico é desejável. Visualize-se um tigre prestes a pular, ou um remador atleta de prontidão, esperando o sinal de partida. Após certo tempo, haverá câimbra e fadiga. E então que o estudante deverá trincar os dentes e persistir imóvel. As sensações de coceira, etc., desaparecerão se forem resolutamente desprezadas, mas a câimbra e a fadiga aumentarão até cessar a prática. Podemos começar com meia hora, ou uma hora. O estudante não deve se assustar se o processo de abandonar a asana após a prática exigir vários minutos de tremenda agonia.
Persistir na prática dia após dia requererá grande força de vontade, pois na maior parte dos casos verificar-se-á que o desconforto e a dor, em vez de diminuírem, tendem a aumentar.
Por outro lado, se o estudante não prestar atenção e não vigiar o corpo, um fenômeno oposto poderá ocorrer. Ele se moverá para aliviar a dor, sem perceber que está se movendo. Para evitar isto, escolha uma posição que seja naturalmente muito restritiva e difícil de manter, na qual pequenos deslocamentos musculares não sejam suficientes para trazer alívio. De outra forma, durante os primeiros dias, o principiante poderá até imaginar que dominou a prática! De fato, em todas essas técnicas iogues, a simplicidade aparente é tal que o principiante tende a se espantar com a gritaria dos peritos, talvez mesmo a imaginar que possui qualidades excepcionais. Assim mesmo, um homem que nunca pegou num taco de golfe a vida inteira pode pegar o guarda-chuva e fazer uma jogada que amedrontaria o campeão mundial.
Após alguns dias, porém em todos os casos, os fenômenos descritos aparecerão. À medida que você progride, eles aparecem mais cedo no curso da hora de exercício. A relutância em praticar poderá se tornar quase invencível. Devemos prevenir o estudante contra a ideia de achar que alguma outra posição seria, talvez, mais fácil de dominar do que aquela que ele escolheu! Assim que a gente começa a mudar de uma posição para outra, estamos perdidos. Nunca alcançaremos o sucesso.
Talvez a recompensa para tanta dor e desconforto não esteja longe, acontecerá um dia que a dor subitamente é esquecida, o fato da presença do corpo é esquecido, e a gente percebe que durante nossa vida inteira o corpo sempre tinha intrometido suas mensagens no limiar da nossa consciência, e que aquelas mensagens eram de desconforto e de dor. E percebemos neste momento, com uma indescritível sensação de alívio, que não só esta posição, a qual nos causou tanta dor, é o próprio ideal de conforto físico, mas que qualquer outra posição do corpo é desagradável. Esta percepção representa o sucesso na prática.
Não haverá mais dificuldade. Entraremos na asana com a mesma sensação, quase, com que um homem fatigado entra em um banho quente: e enquanto estivermos na posição que conquistamos, poderemos confiar em que o corpo não nos enviará nenhuma mensagem que possa perturbar nossa mente.
Outros resultados da prática de asana são descritos por autores hindus, mas esses não nos concernem no presente. Nosso primeiro obstáculo acaba de ser removido, e podemos agora tratar dos outros obstáculos.
Capítulo II Pranayama e Mantra-Yoga
O elo entre a respiração e a mente será detalhadamente discutido na Segunda Parte deste livro, quando falarmos sobre a Espada Mágica 6); mas poderá ser útil se introduzirmos aqui alguns detalhes práticos. Vários manuais hindus, e os escritos de Zhuang Zi apresentam notáveis teorias sobre métodos de controlar a respiração, e seus resultados.
Mas neste nosso sistema cético, em que seguimos o método científico, é melhor que nos contentemos com afirmações que a prática de qualquer pessoa comprova.
Como a finalidade última da meditação é aquietar a mente, podemos considerar que uma aquietação de todas as funções corporais é uma medida preliminar útil. Isto já foi explicado no capítulo sobre asana. Podemos mencionar aqui que alguns iogues levam esse controle das funções corporais ao ponto de atrasar e praticamente parar as batidas do coração. Quer esta habilidade seja desejável ou não, ela é inútil ao principiante; portanto ele deve se esforçar, antes de mais nada, por tornar sua respiração muito lenta e muito regular. As regras para esta prática são dadas em Liber CCVI.
A melhor maneira de marcar o compasso do ritmo respiratório, depois que alguma habilidade tenha sido adquirida usando um relógio para verificação, é através do uso de um mantra. Os mantras agem sobre o pensamento de uma forma muito análoga àquela em que Pranayama age sobre a respiração. O pensamento é amarrado a um ciclo que se repete: quaisquer pensamentos que tentam se intrometer são repelidos pelo mantra da mesma maneira em que pedaços de barro são arremessados de uma roda em movimento: quanto mais rápida for roda, mais difícil será grudar-se a ela o que quer que seja.
Esta é a maneira apropriada de praticar um mantra: pronunciemo-lo tão alto e tão lentamente quanto possamos, dez vezes. A seguir, não tão alto, e ligeiramente mais rápido, dez vezes mais. Continuemos este processo até não haver mais que um rápido movimento de nossos lábios: este movimento deverá ser continuado com velocidade crescente e intensidade decrescente, até que o murmúrio mental absorva por completo o murmúrio físico. O estudante estará agora completamente quieto, com o mantra correndo em seu cérebro; ele deve, no entanto, continuar a acelerar a velocidade até atingir seu limite no qual ele deverá persistir tanto tempo quanto puder. Então ele finalizará a prática invertendo o processo descrito acima.
Qualquer frase pode ser usada como um mantra, e é possível que os hindus tenham razão quando dizem que para cada um de nós existe uma frase particular que dá o melhor resultado. Algumas pessoas consideram que os mantras árabes do Corão, que soam tão líquidos, deslizam com demasiada facilidade, de forma que seria possível continuar um processo diverso de pensamento ao mesmo tempo em que se pronuncia o mantra, sem perturbar a execução deste (a ideia é meditar sobre o significado do mantra enquanto o pronunciamos). Talvez o estudante possa construir para si um mantra que represente o Universo em som, tal como o Pantáculo 7) representa o Universo em forma. Às vezes um mantra pode ser “dado”, isto é, ouvido de alguma forma inexplicável durante uma meditação. Certo estudante usou as palavras: “E esforça-te por ver em todas as coisas à vontade de Deus.” A outro, quando lutava por destruir pensamentos, vieram as palavras “Empurra para baixo”, aparentemente referindo-se à ação dos centros inibidores que ele estava usando, empregando esta frase ele conseguiu o seu resultado.
O mantra ideal deve ser rítmico, poderíamos mesmo dizer musical: mas deve haver suficiente ênfase em alguma sílaba para auxiliar a faculdade da atenção. Os melhores mantras são os de comprimento mediano, pelo menos para os principiantes. Se o mantra é demasiado longo, a gente tende a esquecê-lo, a não ser que se pratique muito e durante muito tempo. Por outro lado, os mantras de uma só sílaba, tais como Aum, 8) saem um tanto às sacudidelas; perde-se o senso de ritmo. Eis aqui alguns mantras úteis:
1. Aum: É o som produzido aos expirarmos com força do funda de nossa garganta enquanto fechamos gradualmente a boca. Os três sons representam os Princípios Criador, Preservador e Destruidor. Existem muitos outros pontos sobre este mantra, suficientes para encher um volume.
2. Aum tat sat Aum. Este mantra é puramente espondaico. Significa “Oh, aquela e Existência! Oh!” Uma aspiração da Realidade pela Verdade.
{illustration: line of music with: Aum Tat Sat Aum :under it}
3. Aum mani padme hum: dois troqueus entre duas cesuras. Significa: “Oh, a Joia do Lótus! Amém!” Refere-se a Buda e a Harpócrates, mas também ao simbolismo da Rosa Cruz.
{illustration: line of music with: Aum Ma-ni Pad-me Hum :under it}
4. Aum shivaya vashi: três troqueus. Note que “shi” significa repouso, o aspecto absoluto (imanifesto), ou macho, da Deidade; “va” é energia, o aspecto manifesto, ou fêmea, da Deidade. Este mantra por tanto expressa o curso inteiro do Universo, o Zero através do Finito e volta ao Zero. Dá o ciclo da criação. A paz se manifestando como poder, o poder dissolvendo-se em paz.
{illustration: line of music with: Aum shi-va-ya Va-shi Aum shi-va-ya Vashi :under it}
5. Allah. As sílabas deste são acentuadas por igual, com uma curta pausa entre elas, e são usualmente combinadas por faquires com um movimento rítmico, em vai e vem, do corpo. Significa “deus”. Sua soma é 66, a soma dos 11 primeiros números.
6. Húa állah úlládhi la ilaha ílla húa: Significa: “Ele é Deus, e não existe nenhum outro Deus senão Ele.”
Eis aqui alguns dos mantras mais longos:
7. O famoso Gayatri:
Aum! tat savitur varenyam
Bhargo devasya dimahi
Dhiyo yo na pratyodayat.
Pronuncia-se isto em tetrâmetros trocaicos. Significa: “Oh, meditemos estritamente na luz adorável daquela divina Savitri (o Sol interior, etc.). Possa ela iluminar nossas mentes!”
8. Qul: Húa allahú achád; Allahú as samád; Lám yalid wa lám yulád; Wa lám yakún lahú kufwán achád. Significa: “Ele só é Deus! Deus o Eterno! Ele não concebe e não é concebido! Não há nenhum como Ele!”
9. Este mantra seguinte é o mais santo de todos que existem ou podem existir. É a Estela da Revelação. 9)
A ka dua
Tuf ur biu
Bi aa chefu
IX. Dudu ner af an nuteru.
{illustration: two lines of music with: A ka du - a Tuf ur bi - u Bi A'a che - fu Du - du ner af an nu - te -ru :under them}
Significa:
Ultimal Unidade demonstrada!
Adoro Teu poder. Teu sopro forte,
Deus supremo, terrível flor do nada,
Que fazes com que os deuses e que a morte
Tremam diante de Ti:
Eu, eu adoro a ti!
Estes mantras são suficientes para a escolha.
Existem muitos outros. Sri Sabapaty Swami dá um em particular para cada um dos chacras. Mas que o estudante escolha um mantra, e atinja perfeita mestria deste.
Nós nem sequer começamos a dominar um mantra antes que ele continue sem parar durante o sono. Isto é muito mais fácil do que parece.
Algumas escolas aconselham praticar um mantra com o auxílio de instrumentos musicais e dança. Certos efeitos notáveis são assim obtidos, no que concerne a “poderes mágicos”; se grandes resultados são igualmente frequentes, é duvidoso. Pessoas desejosas de estudar tais métodos devem ponderar que hoje em dia o Saara está bem perto, e há sempre algum faquir milagreiro ansioso por se exibir. Esta discussão da técnica paralela de mantra nos desviou bastante de Pranayama.
O Pranayama é extremamente útil para aquietar as emoções e apetites, e quer devido à pressão mecânica que produz, quer devido à combustão completa que assegura nos pulmões, é admirável do ponto de vista da saúde física. Especialmente os distúrbios digestivos são facilmente eliminados desta forma. Purifica tanto o corpo quanto às funções mais baixas da mente 10). É impossível combinar pranayama devidamente executado com estados de agitação emotiva. Devemos recorrer a pranayama imediatamente quando quer que, durante a nossa vida, a calma seja perturbada. O Pranayama deve ser praticado certamente não menos que uma hora diária pelo estudante sério.
Quatro horas por dia é melhor, uma regra áurea; dezesseis horas é demais para a maior parte das pessoas.
De modo geral, as práticas que se faz andando são mais úteis à saúde que as sedentárias, pois as caminhadas ao ar livre são assim asseguradas Mas algumas das práticas sedentárias devem ser praticadas, e combinadas com a meditação. Claro, se temos pressa em obter resultados, caminhar é uma distração.
Capítulo III Yama e Niyama
Os hindus colocaram estas duas consecuções em primeiro lugar no seu programa de treino. Elas representam as qualidades “morais” e ações boas que, supostamente, predispõem à tranquilidade mental.
Segundo os hindus, Yama 11) consiste em não matar, não mentir, não roubar, manter continência, e não aceitar presentes.
No sistema budista, Sila, “Virtude”, é da mesma maneira recomendada. As qualidades (para os leigos) são estas cinco: Não matarás. Não roubaras. Não mentirás. Não cometerás adultério. Não beberás líquidos intoxicantes. Para os monges, muitas outras são acrescentadas.
Todo o mundo no Ocidente conhece os mandamentos de Moisés; parecem-se bastante com os acima, assim também os dados por Cristo 12) no “Sermão da Montanha”.
Algumas destas “virtudes” são simplesmente as “virtudes” de um escravo, inventadas pelos senhores para manter os escravos em ordem. O que é importante perceber sobre o Yama hindu é que a quebra de alguma de suas regras tenderia a excitar a mente.
Os Mestres ensinaram; os teólogos, subsequentemente, têm tentado justificar os seus salários ou cargos “melhorando” o ensino dos Mestres. Uma importância “mística” tem sido atribuída a essas “virtudes”. Os dogmatistas têm insistido em que elas têm valor por si mesmas, e é assim que as “religiões” resultam de sistemas de Teurgia, sempre acompanhadas de formalismo, intolerância, e até de perseguições. Assim, “Não matarás”, que no sistema hindu originalmente significava “Não excites tua mente caçando tigres ou participando de brigas” já foi interpretado até como sendo um crime beber água que não seja filtrada, pois desta forma podemos matar alguma bactéria.
Mas uma preocupação constante com a ideia de não matar coisa alguma é em geral pior para a quietude mental do que uma luta corpo a corpo com um ladrão ou uma fera. Se o latido de um cão perturba constantemente nossa meditação, seria mais simples dar um tiro no cão e não pensar mais no assunto!
Dificuldades análogas com esposas têm levado alguns mestres a recomendar o celibato. Em todos estes assuntos, o bom senso deve sempre ser nosso guia. Nenhuma regra fixa pode ser estabelecida: as idiossincrasias individuais do estudante variam de pessoa para pessoa, de grupo cultural para grupo cultural, de época para época. “Não aceites presentes”, por exemplo, é bem importante para um hindu, que ficaria perturbado durante semanas se alguém lhe desse um coco de graça; mas o europeu médio recebe as coisas como elas vêm desde a adolescência, e é mal-agradecido!
O único problema é aquele da continência, que é complicado por várias considerações, como a da energia nervosa, por exemplo. Mas a mente de todo o mundo está embaralhada quanto a este assunto, que alguns confundem com o erotismo, outros com a sociologia. Não será possível considerar com clareza o problema da continência enquanto ela não for compreendida como uma simples faceta do treino de um atleta.
Podemos, então, deixar de discutir Yama e Niyama com este conselho: que cada estudante decida por si que maneira de vida e que código tenderá menos a lhe excitar a mente; mas uma vez tendo se dedicado a seguir uma regra particular de vida, que persista em sua decisão, evitando o oportunismo; e que se previna contra se atribuir “mérito espiritual” pelo que faz ou pelo que deixa de fazer: qualquer Código é simplesmente de valor prático, relativo à intenção de acalmar a mente. Não tem nenhum valor absoluto ou intrínseco.
A higiene escrupulosa, que auxilia um cirurgião em seu trabalho, impediria um mecânico de carros de executar o seu.
(Questões éticas estão adequadamente discutidas em “Tian Dao”, em Konx Om Pax, e devem ser estudados ali. Veja também Liber XXX da A∴A∴ e Liber CCXX. Ali está escrito: Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei. Lembremo-nos de que, para os propósitos do verdadeiro treino em yoga, o único valor de Yama e Niyama estará em que nos auxiliem a viver de tal maneira que nenhuma emoção ou paixão perturbe nossas mentes.)
Capítulo IV Pratyahara
O Pratyahara é o primeiro processo puramente mental em nossa tarefa. As práticas previamente descritas – asana, Pranayama, Yama e Niyama – são todas atos relacionados com o corpo físico. Mesmo o mantra está relacionado com a fala. Pratyahara é só mental.
O que é Pratyahara? A palavra é empregada com significados diversos por diversos autores, alguns a usando para designar a prática em si, outros para designar o resultado. Nós a definiremos como a prática: uma medida estratégica antes que um resultado tático. Pratyahara é introspecção: uma espécie de exame geral do conteúdo da mente que desejamos controlar. Quando conquistamos asana, todas as causas excitantes externas são removidas, e ficamos livres para pensar sobre em que estamos pensando!
Uma experiência totalmente análoga à que tivemos com asana nos espera. A princípio, nós provavelmente nos lisonjearemos por nossas mentes estarem muito calmas! Isto resulta de nossa capacidade de observação ainda sem treino, portanto ineficiente. Justamente como, de pé pela primeira vez na borda do Saara, um turista nada verá ali de especial a não ser muita areia, enquanto seu guia beduíno será capaz de lhe contar a história da vida de cada coisa à vista, porque aprendeu a observar; da mesma forma, com a prática de Pratyahara, os pensamentos parecerão se tornar mais numerosos e mais insistentes. E que começamos a percebê-los melhor!
Assim que observamos o nosso corpo, percebemos que ele estava terrivelmente irrequieto e dolorido: agora que observamos a mente, percebemos que ela está mais irrequieta e dolorida ainda. Veja o gráfico na página seguinte.
Um gráfico análogo poderia ser traçado para a dor real e a dor aparente de asana.
Cônscios de nossa inquietude mental, nós começaremos a tentar controlá-la. “Não tantos pensamentos, se faz o favor!” E aí que perceberemos que aquilo que tínhamos tomado por um cardume de golfinhos brincalhões é, na realidade, o movimento das roscas da serpente marinha. A tentativa de reprimir tem o efeito de excitar.
Quando o ingênuo discípulo se aproxima pela primeira vez do seu santo (mas matreiro) Guru e exige poderes mágicos, aquele sábio concorda solenemente em outorgá-los. Aí aponta com muita cautela e segredo algum ponto em particular do corpo do discípulo e lhe diz: “Para conquistar esse poder que você deseja é necessário apenas que você se lave sete vezes no Ganges durante sete dias; mas durante o banho tenha o particular cuidado de não pensar nessa parte do seu corpo.” É claro que o infeliz discípulo passa uma semana horrível, pensando quase que só nisso!
{gráfico com o seguinte texto:
BD mostra o controle da Mente, melhorando Lentamente no início, mais tarde mais rapidamente. Começa de zero ou perto de zero e deve alcançar o controle absoluto em D.
EF mostra o poder de observação do conteúdo da mente, melhorando rapidamente no início, mais tarde mais lentamente, até chegar à perfeição em F. Começa bem acima de zero com a maioria das pessoas cultas.
A altura das perpendiculares da HI indica a insatisfação do estudante com seu poder de controle. Aumentando no início e finalmente decresce até chegar ao zero.
Para quem está começando, é positivamente incrível com que persistência um pensamento, até mesmo uma cadeia inteira de pensamentos, retorna repetidamente à nossa atenção. É intensamente irritante, também, quando percebemos que não nos tornamos cônscios de que estávamos de novo pensando naquilo até já termos acabado de pensar naquilo de novo! Porém, devemos persistir dia após dia em investigar nossos pensamentos e em tentar reprimi-los; e, mais cedo ou mais tarde, passaremos ao estágio seguinte, Dharana: a tentativa de restringir a mente a um pensamento único.
Antes de tratarmos disso, porém, consideremos o que se chama de sucesso em Pratyahara. Este é um assunto muito extenso, e, como já mencionamos, diferentes autores são de opiniões muito diversas. Um escritor define Pratyahara como uma análise mental tão minuciosa que cada pensamento é resolvido em um número de elementos. Veja “A Psicologia do Haxixe”, seção V. 13)
Outros autores opinam que o sucesso nesta prática representa algo como a percepção de Sir Humphrey Davy sob a influência do óxido de nitrogênio, quando ele exclamou: “o universo é composto exclusivamente de ideias.”
Ainda outros dizem que o sucesso dá o sentimento de Hamlet: “Nada bom ou mau senão conforme pensamos a respeito”, porém interpretado da forma literal em que o fez Mrs. Eddy.
Entretanto, o ponto essencial de Pratyahara consiste em adquirir algum poder inibitivo sobre os pensamentos. Felizmente, existe um método infalível de conseguir este poder. É dado em Liber III. Se as Seções I e II são praticadas (se for preciso, com o auxílio de outra pessoa para fiscalizar nossa vigilância), logo seremos capazes de dominar a seção final.
Em algumas pessoas, este poder de inibir pensamentos pode surgir tão subitamente quanto ocorre com o sucesso em asana. Sem qualquer relaxamento da vigilância, a mente subitamente se aquieta. Há um maravilhoso sentimento de paz e descanso, bem diverso da sensação letárgica que se produz em nós quando comemos demais. Não é possível dizer se um resultado tão definido aconteceria com todos os praticantes, ou mesmo com a maioria. De qualquer forma, isto não faz grande diferença. Se tivermos adquirido o poder de evitar a manifestação de pensamentos, podemos progredir ao estágio seguinte.
Capítulo V Dharana
Agora que aprendemos a observar nossas mentes, de forma que sabemos algo da maneira como elas funcionam, e começamos a compreender os elementos de como controlá-las, poderemos tentar reunir todos os poderes da mente e concentrá-los num só ponto.
Sabemos que não é muito difícil, para a mente educada média, pensar sem muita distração num assunto no qual ela esteja bem interessada. Existe a frase popular, “remoendo algo na mente”, ou “matutando alguma coisa”. Enquanto o assunto for suficientemente complexo, e os pensamentos fluírem sem oposição, não existe grande dificuldade. Enquanto um giroscópio está em movimento, ele se mantém imóvel relativamente ao seu ponto de apoio, e até mesmo resiste a tentativas de desviá-lo. Mas quando ele para, cai da posição em que estava. Se a terra parasse de girar em torno do sol, ela imediatamente cairia no sol.
No momento em que o estudante escolher um assunto simples, ou melhor ainda, um objeto simples, e tentar imaginá-lo ou visualizá-lo, ele perceberá que não é tão senhor de sua mente quanto supunha. Outros pensamentos invadirão sua consciência, de forma que o assunto ou o objeto é esquecido por completo, às vezes por vários minutos; e no caso de objetos visualizados, o próprio objeto, em muitas ocasiões, começará a cometer todo o tipo de estripulia.
Suponhamos que você tenha escolhido uma cruz branca como objeto de sua meditação. Ela moverá a barra horizontal para cima e para baixo, alongará a barra, tornará a barra oblíqua, ficará com braços desiguais, virará de cabeça para baixo, criará raminhos, ou uma rachadura, ou uma figura, mudará completamente de forma tal como uma ameba, mudará seu tamanho em sua distância separadamente ou simultaneamente, mudará a intensidade de sua iluminação, e até a sua cor. Ela ficará manchada, ficará inchada, criará desenhos em sua superfície, elevar-se-á, cairá, sacudir-se-á e se virará: nuvens passarão diante dela. Não há mudança de que ela não seja capaz. Sem mencionarmos que pode desaparecer completamente, e ser substituída por alguma coisa totalmente diversa!
E qualquer pessoa com quem isto não aconteça não deve imaginar que está meditando. A ausência de tais fenômenos apenas prova que somos incapazes de concentrar a mente no mínimo que seja. Um estudante pode prosseguir durante vários dias antes de perceber que não está meditando. Quando percebe, a rebeldia do objeto da meditação o irritará em extremo. E é apenas então que a Vontade realmente começa a se exercer, e a coragem da pessoa entra em prova. Se um fosse pelo desenvolvimento prévio da Vontade que conseguimos na conquista de asana, nós provavelmente desistiríamos. A mera agonia física que a pessoa sofreu é a coisa mais insignificante do mundo comparada com o pavoroso tédio de Dharana.
Durante a primeira semana tudo pode parecer muito divertido, e somos até capazes de imaginar que estamos progredindo. Mas à medida que a convivência com a prática nos ensina o que estamos fazendo, temos a impressão de que estamos ficando cada vez piores.
Por favor: o leitor deve compreender que, quando executamos esta prática, supõe-se que estamos sentados em asana com um caderno de notas e lápis ao lado, e um relógio à nossa frente. No começo não devemos praticar mais de dez minutos de cada vez, para evitar o risco de fatigar demais o cérebro. De fato, o estudante provavelmente descobrirá que toda a sua força de vontade é insuficiente para manter a mente concentrada numa coisa só durante sequer três minutos, ou até três segundos, ou três quintos de um segundo! E quando dizemos “manter a mente concentrada” o que queremos realmente dizer é tentar manter a mente concentrada. A mente fica tão cansada, e o objeto da meditação se torna tão incrivelmente repugnante, que é inútil persistir no início. Vemos nos relatórios de Frater Perdurabo que, após prática diária durante seis meses, meditações de quatro minutos, e até de menos, ainda estavam sendo registradas.
O estudante deve calcular o número de vezes que seu pensamento divaga: ele pode fazer isto contando nos dedos, ou usando uma fieira de contas. 14) Se estas “quebras” da meditação parecem se tornar mais, em vez de menos, frequentes, ele não deve desanimar: a aparente multiplicação é em parte causada pela sua maior agudez de observação. (Da mesma forma, quando o processo de vacinação contra a varíola foi introduzido, houve aparentemente um aumento de casos de varíola. Mas o motivo foi que as pessoas começaram a dizer a verdade a respeito da doença, em vez de fingir.)
Logo, porém, o controle começará a melhorar mais depressa do que a observação. Quando isto ocorre, a melhoria se tornará aparente no relatório. Qualquer variação será provavelmente devida a circunstâncias acidentais. Por exemplo, uma noite você pode estar muito cansado quando começa; noutra, você talvez tenha dor de cabeça, ou indigestão. Você fará bem em evitar praticar em tais ocasiões. Você terá, entretanto, se precaver contra outro truque da mente, que consiste em deliberadamente abusar de sua saúde para ter um pretexto para evitar a prática!
Suponhamos agora que você tenha atingido o estágio em que sua prática mediana sobre um assunto ou coisa qualquer é de mais ou menos meia hora, e o número médio de “quebras” entre dez e vinte. Poderíamos supor que isto significa que, durante os espaços de tempo entre as “quebras”, você esteve realmente concentrado; mas não é assim. A mente está oscilando, se bem que imperceptivelmente. No entanto, mesmo neste estágio inicial, poderá haver suficiente firmeza relativa para possibilitar a ocorrência de alguns fenômenos notáveis. O mais comum destes, talvez, lhe dê a impressão de que você caiu no sono. Ou talvez lhe pareça completamente inexplicável. De qualquer forma, ele tornará você desgostoso consigo mesmo. E o seguinte: você esquecerá completamente quem você é, o que você é, e o que você está fazendo! Um fenômeno semelhante a este ocorre algumas vezes de manhã, quando estamos semi-despertos, e não conseguimos nos lembrar em que cidade estamos vivendo. A semelhança entre estas duas experiências é bastante significativa. Ela sugere que o que está realmente acontecendo é que você está despertando do sono a que os homens chamam de vigília, o sono cujos sonhos são a vida do homem comum.
Existe outra maneira de verificar nosso progresso nesta prática: pelo tipo de quebra que ocorre.
As quebras são classificadas da seguinte forma:
Primeiro, sensações físicas. Estas deveriam ter sido conquistadas por asana.
Segundo, quebras que parecem ser causadas por acontecimentos que precederam imediatamente o início da meditação. A atividade destes se torna tremenda. Somente através desta prática podemos compreender quanta coisa é realmente observada pelos nossos sentidos sem que a mente se torne cônscia dos fatos.
Terceiro, existe uma classe de quebras que partilha da natureza de um “sonho acordado”. Estas são muito insidiosas – podemos continuar sonhando durante um tempo enorme, sem perceber que estamos divagando.
Quarto, existe um tipo muito elevado de quebra, que é uma espécie de aberração do controle mesmo. A pessoa pensa: “Como estou fazendo isto bem!” Ou pensamos que seria uma boa ideia se estivéssemos em uma ilha deserta, ou se estivéssemos em uma casa à prova de som, ou se estivéssemos sentados ao lado de uma cachoeira. Mas estas são variações insignificantes da vigilância propriamente dita.
Um quinto tipo de quebra parece não ter origem determinável em nossa mente. Estas podem até assumir a forma de alucinações, geralmente auditivas. Naturalmente, tais alucinações são infrequentes, e são sempre reconhecíveis como tais: de outra forma, a pessoa faria bem em consultar um alienista. Usualmente a quebra consiste em sentenças, ou fragmentos de sentenças, desconexas entre si, que são nitidamente ouvidas em uma voz humana, reconhecível como tal; não a voz do estudante, ou de qualquer pessoa que ele conheça. Um fenômeno análogo é observado por radiotelegrafistas, que chamam tais mensagens de “estáticas”.
Existe ainda outro tipo de quebra, que é o resultado desejado. Trataremos deste em detalhe mais adiante.
Note-se que há uma genuína sequência nestes tipos de quebra. À medida que nosso controle melhora, a quantidade de quebras primárias e secundárias diminui, mesmo se o número total de quebras em uma meditação permanecer o mesmo. Quando estivermos meditando já duas ou três horas por dia, e enchendo o resto do dia com outras práticas cuja finalidade é auxiliar a prática principal, e alguma coisa ou outra começar sempre a acontecer, e tivermos um pressentimento constante de que estamos beirando “algo importante”, podemos esperar prosseguir ao estágio seguinte – Dhyana.
Capítulo VI Dhyana
Essa palavra tem dois significados diversos e mutuamente exclusivos. Primeiro refere-se ao resultado em si. Dhyana “é a mesma palavra que” Jhana. O Buda distinguiu oito Jhanas, os quais são evidentemente diferentes graus e tipos de trance. Certos hindus, também falam de Dhyana como de um tipo menos elevado de Samadhi. Outros, porém, tratam Dhyana como uma mera intenção de Dharana. Patanjali diz: “Dharana é manter a mente concentrada em algum objeto particular. Uma corrente contínua de recepção daquele objeto é Dhyana. Quando, abandonando todos os efeitos, isto refletirá apenas a origem destes, é Samadhi. Ele combina estes três em Samyama”.
Nós trataremos Dhyana antes como um resultado do que como um método. Até aqui os autores clássicos nos forneceram um roteiro mais ou menos; mas quando entram no assunto dos resultados da prática da meditação, eles perdem completamente a cabeça.
Esgotam as imagens poéticas para declarar coisas evidentemente falsas. Por exemplo, lemos no Shiva Samhita que “aquele que se concentra diariamente no Lótus do coração é ardentemente desejado pelas filhas dos Deuses, obtém clariaudiência, clarividência, e pode andar sobre o mar.” Outra pessoa poderá “fazer ouro, descobrir remédios para doenças, e ver tesouros escondidos.” Tudo isto é puro lixo. Qual será a maldição que acompanha a experiência religiosa, para que seus princípios devam sempre estar associados com todo o tipo de exagero e falsidade?
Existe uma exceção: é a A∴A∴, cujos membros tomam extremo em não fazer nenhuma asserção que não possa ser verificada pela experiência; e onde a verificação não é fácil à pessoa média, eles evitam qualquer afirmação que possa ser interpretada como dogma. Em um dos livros de instrução prática dessa Ordem estão escritas estas palavras:
“Se fizermos certas coisas, obteremos certos resultados. Prevenimos estudantes seriamente contra a tendência de atribuir realidade objetiva ou validade filosófica a qualquer de tais resultados.” 15)
Que palavras áureas!
Ao discutirmos Dhyana, pois, seja claramente compreendido que algo inesperado vai ser descrito.
Devemos considerar sua natureza e avaliar sua qualidade de uma maneira perfeitamente imparcial, sem nos permitirmos exageros poéticos, ou deduzir qualquer teoria da natureza do universo partindo de tão poucos dados, por mais notáveis que pareçam. Um pequeno fato pode destruir qualquer teoria existente; isto é a coisa mais comum, e a base mesma do progresso científico. Mas nenhum fato, por si só, é suficiente para dele se construir uma teoria.
Deve ser compreendido que Dharana, Dhyana e Samadhi formam uma sequência progressiva. Quando, exatamente, chegamos ao clímax, não tem importância; falemos antes do clímax em si, pois isto é coisa que nós experimentamos, e é uma experiência notável.
Quanto a Dhyana, no curso de nossa concentração percebemos que o conteúdo da mente a qualquer momento (desde que bem concentrada) consiste de apenas duas coisas: o Objeto da meditação, variável, e a Vontade Mental, ou Sujeito, aparentemente invariável. O clímax de Dharana consistiu em que o Objeto foi tornado tão invariável quanto o Sujeito.
O clímax de Dhyana consiste em que estes dois – Sujeito e Objeto – se tornam um. Este fenômeno usualmente é um tremendo choque quando pela primeira vez ele se manifesta. É indescritível mesmo por mestres da linguagem, por tanto não nos surpreende que gaguejadores semianalfabetos chafurdem na verborreia.
Todas as faculdades poéticas e todas as faculdades emocionais são arrebatadas em uma espécie de êxtase. A ocorrência vira a mente de pernas para o ar, e faz com que o resto da vida pareça, em comparação, absolutamente sem valor.
Boa descrição por escrito é geralmente o resultado de uma capacidade de observação clara e um julgamento sadio expressado da forma mais simples. Por este motivo, nenhum dos grandes acontecimentos históricos (como terremotos ou batalhas) já foi bem descrito por testemunhas visuais, a não ser que estas estivessem, pessoalmente, fora de perigo. Mas em Dhyana o observador está bem no centro do terremoto… Mesmo quando, pela constante repetição do fenômeno, nos acostumamos a Dhyana, nenhuma descrição parece adequada.
Uma das formas mais simples de Dhyana pode ser chamada “o Sol”. O Sol é visto (por assim dizer) em si mesmo, não por um observador; e sem que o olho físico não possa contemplar o sol, nós nos sentimos compelidos a afirmar que este “Sol” é muito mais brilhante que o sol natural. A experiência inteira ocorre em um nível mais elevado.
Também as condições do pensamento, e do tempo e do espaço, são abolidas. É impossível explicar o que isto realmente significa. Somente a experiência mesma fornecerá compreensão.
(Isto tem analogia com a vida mental ordinária; as concepções da matemática avançada, por exemplo, não podem ser assimiladas pelo principiante, nem explicadas ao leigo.)
Outro desenvolvimento de Dhyana é a aparição da Forma que tem sido universalmente descrita como humana, se bem que as pessoas que assim a descrevem passam a adicionar um grande número de detalhes que absolutamente não são humanos! Esta particular aparição é geralmente descrita como sendo “Deus”.
O que quer que ela realmente seja, o resultado na mente do estudante é tremendo: todos os seus pensamentos são incitados ao máximo de desenvolvimento. Ele acredita sinceramente que eles têm “sanção divina”. Talvez até ele acredite que eles emanam diretamente desse “Deus”! Ele retorna ao mundo armado com esta intensa convicção e autoridade. Ele proclama suas ideias sem aquela circunspeção que a dúvida, a modéstia e a timidez impõem à maior parte das pessoas 16). Podemos supor que, além disto tudo, seu psicossoma foi realmente clarificado e está mais bem coordenado.
De qualquer forma, a massa da humanidade está sempre pronta a ser arrastada por qualquer impulso assim tão autoritário e incisivo. A história está cheia de relatos de oficiais que, desarmados, enfrentaram um regimento amotinado e o reduziram à disciplina pela simples força da confiança. O poder do orador sobre uma multidão é bem conhecido. É provavelmente por isto que os profetas têm sido capazes de restringir a humanidade a obedecer às suas leis. Nunca passa pela cabeça de um profeta que qualquer pessoa possa agir de outra forma! Na vida diária, nós podemos passar por qualquer guardião, tal como sentinela ou um coletor de bilhetes, se pudermos realmente agir de uma forma que ele seja de algum modo persuadido de que temos o direito de passar sem impedimento.
Este poder, aliás, é aquele que tem sido descrito por Magistas como o da invisibilidade. Alguém escreveu um excelente conto sobre quatro homens de confiança que estavam de sobreaviso, à espera de um assassino e tinham instruções para não deixar passar ninguém. Todos juraram subsequentemente, na presença do cadáver, que ninguém passara por eles. Nenhum dos quatro notara o carteiro.
Os ladrões que roubaram a “Gioconda” do Louvre estavam provavelmente disfarçados de serventes, e roubaram a pintura no nariz do guarda. Possivelmente lhe solicitaram ajuda.
É apenas necessário crer que uma coisa deva acontecer para fazê-la acontecer. Esta “crença” não pode ser apenas emocional, ou apenas intelectual. Ela reside numa porção mais profunda da mente, porém uma porção não tão profunda que a maior parte dos homens, provavelmente todos os homens bem sucedidos, não possam compreender o que fazemos, tendo tido experiências análogas em suas próprias vidas.
O mais importante fator em Dhyana, porém, é a aniquilação do ego. Nossa concepção do Universo será completamente transtornada se admitirmos essa possibilidade como válida. É hora de considerarmos o que, realmente, está acontecendo.
Deve ser admitido que demos uma explicação muito racional da grandeza dos grandes líderes religiosos e, por extensão, dos grandes homens em geral. Eles tiveram uma experiência tão arrebatadora, tão fora de proporção com o resto das coisas, que foram libertados de todos os obstáculos mesquinhos que impedem o homem normal de realizar seus projetos.
A preocupação com roupa, comida, dinheiro, o que os outros podem pensar, como agir e por que agir, e, acima de tudo, o medo das consequências, pesam sobre quase todo o mundo. Em teoria, nada é mais fácil para um anarquista do que matar um governante. Ele tem apenas que comprar um rifle, tornar-se um atirador de categoria, e dar um tiro no governante a uma distância de quatrocentos metros. No entanto, se bem que haja muitos anarquistas, há poucos atentados. Ao mesmo tempo, a polícia seria provavelmente a primeira a admitir que, se qualquer homem estivesse realmente cansado de viver, no mais íntimo do seu ser (um estado muito diverso daquele em que os homens usualmente resmungam que estão cansados da vida), ele poderia de algum jeito matar antes outra pessoa.
Ora, a pessoa que experimentou qualquer das formas mais intensas de Dhyana está psicologicamente livre. O Universo foi destruído para ela, e ela para o Universo. A vontade da pessoa pode, portanto, ser exercida sem obstáculos. Podemos imaginar que, no caso de Maomé, ele alimentara durante anos uma tremenda ambição, e nunca fizera nada porque aquelas suas qualidades que subsequentemente se manifestaram em capacidade administrativa o tinham avisado de que ele era impotente. Sua “visão na caverna” deu-lhe aquela confiança que lhe faltara, aquela fé que move montanhas. Existem muitas coisas que parecem sólidas neste mundo que poderiam ser derrubadas pelo toque de uma criança; mas ninguém tem coragem de tocá-las.
Aceitemos provisoriamente esta explicação da grandeza dos grandes homens, e passemos adiante. A ambição nos trouxe até aqui; mas agora estamos mais interessados no trabalho em si. Isto é, se o amor à sabedoria se mostrar mais importante em nós que a ambição mundana.
Um fenômeno espantoso aconteceu conosco: tivemos uma experiência que faz o amor, a fama, as honrarias, a ambição, a riqueza, parecerem um tostão; e começamos a nos perguntar apaixonadamente. “O que é a verdade?” O Universo ruiu em nossa volta como um castelo de cartas, e nós mesmos – ou o que pensávamos ser nós mesmos – ruímos com ele. No entanto, esta derrocada é como a abertura das Portas do Céu! Eis aqui um tremendo problema, e existe algo dentro de nós que tem fome de solucioná-lo.
Vejamos que explicações podemos achar.
A primeira ideia que ocorreria a uma mente equilibrada, familiarizada com a ciência, é que experimentamos um colapso mental. Da mesma forma que um golpe na cabeça faz um homem “ver estrelas”, assim também poderíamos supor que a tremenda tensão mental provocada por Dharana sobre-excitou o cérebro de alguma maneira, e causou um espasmo, ou possivelmente rebentou mesmo algum pequeno vaso. Parece não haver motivo para rejeitarmos por completo esta explicação, se bem que seria bastante absurdo supor que aceitá-la é condenar a prática de Dharana. Espasmo é a função normal de pelo menos um dos órgãos do corpo humano. Que o cérebro não é danificado pela prática fica provado pelo fato de que muita gente que afirma ter tido esta experiência repetidamente continua a exercer as vocações de sua vida material sem diminuição de eficiência ou atividade.
Podemos por tanto descontar o aspecto fisiológico como explicação. Não explica o nosso problema principal, que é o valor dos testemunhos desta experiência pouco usual do cérebro.
Ora, este é um problema difícil, e provoca o problema ainda mais difícil da validade de qualquer tipo de testemunho. Todo pensamento humano possível já foi posto em dúvida em alguma ocasião, exceto o pensamento que apenas pode ser expresso por um ponto de interrogação, desde que duvidar deste pensamento é afirmá-lo! (Para uma completa discussão veja “The Soldier and the Hanchback” 17).) Mas à parte esta profunda dúvida filosófica, existe a dúvida cotidiana, mais simples e mais prática. A frase popular “duvidar de nossos próprios olhos” indica que usualmente a evidência dos nossos sentidos é aceita; mas isto é coisa que nenhum cientista moderno faria! O cientista está tão cônscio de que os seus sentidos constantemente o enganam que inventa os mais complexos instrumentos a fim de verificar e corrigir as mensagens desses sentidos. E ele, além disto, está cônscio de que o Universo que ele pode perceber diretamente através dos sentidos, mesmo corrigindo-os e vigiando-os pelo uso de instrumentos, é uma fração mínima do Universo que ele conhece indiretamente.
Por exemplo, quatro quintos do ar atmosférico consistem de nitrogênio. Se alguém trouxesse uma garrafa de nitrogênio para dentro desta sala seria enormemente difícil dizer o que é que a garrafa contém. Quase todos os testes que poderíamos aplicar ao conteúdo dariam resultados negativos. Nossos sentidos nada nos poderiam dizer.
O gás “nobre” argônio só foi descoberto pela comparação do peso do nitrogênio quimicamente puro com o peso do nitrogênio do ar. Isto já tinha sido feito muitas vezes, mas ninguém antes dispusera de instrumentos suficientemente delicados para medir a discrepância, ou até percebê-la. Para dar outro exemplo, um famoso cientista afirmou, faz poucos anos, que a ciência nunca poderia descobrir a composição das estrelas fixas. No entanto isto já foi feito, e muito bem, através do espectroscópio.
Se perguntássemos ao cientista qual a sua teoria sobre o “real”, ele responderia que o éter que não pode ser percebido por nenhum dos sentidos, ou determinado por nenhum instrumento, e que possui qualidades que (para usar linguagem leiga) são impossíveis, é muito mais real do que a cadeira na qual ele está sentado. A cadeira é apenas um fato; sua existência é testemunhada só por uma pessoa, e esta pessoa bem falível. O éter é a dedução necessária tirada de milhões de fatos, os quais foram repetidamente verificados e provados por toda experimentação possível. Não existe, portanto, qualquer motivo para se rejeitar a priori qualquer coisa, apenas com o argumento de que ela não pode ser percebida por nossos sentidos.
Para mencionar outro ponto: um dos nossos testes do que é verdadeiro é a vividez de nossas impressões. Um evento isolado no nosso passado é pouco importante, e pode sumir de nosso consciente; e se for de algum modo relembrado, somos capazes de nos perguntar: “Será que eu sonhei isto? Ou aconteceu mesmo?” O que nós não esquecemos nunca é o catastrófico. A primeira morte de uma pessoa amada, por exemplo, nunca seria esquecida: pela primeira vez nos tornamos cônscios daquilo que anteriormente apenas tínhamos ouvido contar. Tal experiência às vezes enlouquece as pessoas. Alguns cientistas se suicidaram quando uma teoria predileta foi provada falsa. Este problema é livremente discutido em Ciência e Budismo 18), Tempo 19), O Camelo, e outros ensaios de Aleister Crowley. Aqui é apenas necessário comentar que Dhyana tem que ser classificado como a mais vívida e a mais catastrófica de todas as experiências.
Portanto, é difícil exagerar a importância que tal ocorrência tem para o indivíduo com quem ocorre. Especialmente desde que é a nossa concepção de todas as coisas, inclusive a nossa concepção mais íntima, aquela que tinha servido de centro e ponto de referência de todas as outras, a nossa concepção de nós mesmos, que é demolida. E quando nós procuramos explicar este acontecimento como uma suspensão temporária de nossas faculdades, como uma alucinação, ou coisa semelhante, verificamos que somos incapazes de acreditar em tais explicações. Você não pode discutir com um raio que acaba de lhe arremessar ao chão!
Toda coisa que é mera teoria é facilmente negável. Podemos encontrar falhas na nossa cadeia de raciocínio; podemos assumir que as premissas são, de uma maneira ou outra, falsas. Mas se atacamos desta forma a evidência a favor de Dhyana, nossa mente tem que encarar o fato de que qualquer outra experiência que já tivemos, atacada nas mesmas linhas e pelo mesmo método, cairá bem mais facilmente.
Por onde quer que examinemos a questão, o resultado será sempre o mesmo. Pode ser que Dhyana seja uma ilusão; mas se assim for, tudo o mais de que temos consciência é uma ilusão também.
Ora, a mente sadia se recusa a persistir numa crença da irrealidade de suas próprias experiências. Pode ser que elas não sejam o que parecem ser; mas devem ser alguma coisa, e se (em geral) a vida normal é alguma coisa, quanto mais aquilo à cuja luz a vida normal parece como nada!
O homem comum percebe a falsidade, a incoerência e a falta de propósito dos sonhos; ele os atribui (com razão) a uma mente em desordem. O filósofo contempla a vida normal com um desprezo análogo, e a pessoa que experimentou Dhyana é da mesma atitude, mas não mais por mera convicção intelectual. Explicações lógicas, por apropriadas que sejam, nunca convencem por completo; mas a pessoa que experimentou Dhyana tem a mesma certeza simples de alguém que acorda de um pesadelo: “Eu não estava caindo num poço sem fundo, foi apenas um mau sonho.”
A reflexão da pessoa que teve Dhyana é exatamente análoga: “Eu não sou aquele mísero inseto, aquele imperceptível parasita da terra; foi apenas um mau sonho.” E da mesma forma que você não pode convencer o homem comum de que seu pesadelo era mais real que seu despertar, você não pode convencer esta outra pessoa de que seu Dhyana foi apenas uma alucinação, embora ela agora esteja penosamente cônscia de que recaiu daquele estado à sua existência “normal”.
É provavelmente muito raro que uma única experiência transforme assim radicalmente uma concepção toda do Universo, da mesma forma que algumas vezes, ao despertarmos, ainda nos resta uma dúvida fugaz de se o despertar ou o sonho é real. Mas quando a experiência se repete, quando Dhyana não é mais um choque, quando o estudante teve tempo bastante para se acomodar ao seu novo plano de consciência, sua convicção se torna absoluta 20).
Outra consideração racional é esta: o estudante não esteve tentando excitar a mente, e sim acalmá-la; não esteve tentando produzir um pensamento, mas sim excluir todos os pensamentos; pois não existe relação entre o objeto da meditação e o Dhyana. Por que devemos então supor uma derrocada do processo inteiro, ainda mais se a mente não demonstra quaisquer traços subsequentes de interferência, tais como dor ou fadiga? Certamente nesta ocasião, se em nenhuma outra, uma das imagens dos hindus expressa a explicação mais simples. Esta imagem é a de um lago em que cinco glaciares se movem. Estes glaciares são os cinco sentidos. Enquanto o gelo (as impressões) está constantemente se quebrando e caindo no lago, as águas são sacudidas. Se os glaciares ficam parados, a superfície se torna calma; então, e apenas então, pode ela refletir o disco do sol. Este sol é a “alma”, ou “Deus”.
Devemos, porém, evitar o uso de termos tais como “alma” e “Deus” por enquanto, por causa das coisas em que eles implicam. Falemos antes deste sol como de alguma coisa desconhecida anteriormente, cuja presença tinha sido velada por todas as coisas conhecidas e pelo conhecedor mesmo.
Também é possível que nossa “memória” de Dhyana não seja a do fenômeno em si, mas a da imagem que ele deixou na nossa mente. Porém isto é verdade de qualquer fenômeno, como já foi provado além de qualquer dúvida por Berkeley e Kant. Este assunto, porém, não precisa nos ocupar. Queremos resultados, não teorias.
Podemos, então, provisoriamente aceitar o ponto de vista de que Dhyana é real; mais real e, portanto, mais importante para nós, que qualquer outra experiência que tenhamos tido previamente. E um estado que tem sido descrito não apenas pelos hindus e budistas, mas também por maometanos e cristãos. No caso dos cristãos, porém, o preconceito profundamente arraigado torna seus documentos e relatos sem valor para o homem comum. Eles passam por alto as condições essenciais à ocorrência de Dhyana e insistem nas condições sem importância com muito mais frequência que os melhores escritores hindus. Mas para qualquer pessoa com experiência de meditação e algum estudo comparativo de religiões, a identidade do fenômeno é evidente. Podemos agora tratar de Samadhi.
Capítulo VII Samadhi
Já se escreveu demasiada bobagem a respeito de Samadhi; vamos nos esforçar por não aumentar o monturo. Até Patanjali, que é extraordinariamente claro e prático na maioria das vezes, começa a delirar quando fala de Samadhi. Mesmo se o que ele diz fosse verdade, ele não deveria dizer essas coisas, pois não parecem ser verdade; e não devemos fazer qualquer afirmativa que seja difícil de acreditar sem estarmos preparados para apresentar provas cientificamente documentadas. Mas é bem provável que Patanjali tenha sido mal interpretado por seus comentaristas.
A mais razoável asserção, de qualquer autoridade conhecida, é aquela de Yajna Valkya, que diz: “Através de Pranayama as impurezas do corpo são eliminadas; através de Dharana, as impurezas da mente; através de Pratyahara, as impurezas do apego; e Samadhi elimina tudo que esconde o senhorio da alma.” Esta é uma asserção modesta, e em bom estilo literário. Se pudermos fazer o mesmo!
Em primeiro lugar, qual é o significado da palavra? Etimologicamente, Sam é o grego sun- (sun-) – o prefixo português sin-, significando “junto com”. Adhi significa “Senhor”, e uma tradução razoável da palavra inteira (Samadhi) seria “União com Deus”, exatamente o termo utilizado por místicos cristãos para descreverem sua consecução.
Existe muita confusão, porque os budistas usam a palavra Samadhi para significar uma coisa inteiramente diversa, a simples faculdade da atenção. (Assim, para os budistas, pensar em um gato é “fazer samadhi” sobre aquele gato.) Os budistas usam a palavra Jhana para descrever estados místicos. Isto é uma bagunça danada, porque, como vimos no último capítulo, Dhyana é considerado pelos hindus o estado preliminar a Samadhi, e Jhana é, claro, a corrupção Páli da mesma palavra 21).
Existem muitos tipos de Samadhi 22). Alguns autores consideram Atmadarshana, o Universo percebido como um fenômeno único e sem condições, como o primeiro verdadeiro Samadhi. Se aceitarmos isto, devemos relegar muitos outros êxtases místicos menos elevados à classe dos Dhyana. Patanjali enumera uma série desses estados: realizar essas coisas diferentes resulta em diferentes poderes mágicos, ou assim diz ele. Não é necessário aqui discutir essa questão. As pessoas que desejam poderes mágicos podem obtê-los em dúzias de maneiras diversas.
O poder cresce mais depressa que o desejo. O menino que deseja dinheiro para comprar soldadinhos de chumbo começa a cavar o dinheiro, e quando finalmente o consegue deseja alguma coisa muito diversa – provavelmente algo justamente além dos seus meios.
Esta é a esplêndida história de todo avanço espiritual: a gente nunca para a fim de colher a recompensa.
Portanto, não nos preocupemos se este ou aquele Samadhi pode trazer esta ou aquela vantagem transitória a nossas vidas. Nós abrimos este livro, se vocês se lembram, com considerações sobre a morte. A ideia da morte perde todo significado em Samadhi. Depende das ideias do ego e do tempo; e estas ideias são destruídas. “A morte é engolida em vitória”. Nós trataremos a seguir das condições que produzem Samadhi, e procuraremos analisar o que esta experiência é em si.
Dhyana se assemelha a Samadhi sob muitos aspectos. Em Dhyana há uma união do ego com o não-ego, e uma perda das noções de tempo, espaço e causalidade. A dualidade sob qualquer forma é abolida. A ideia de tempo implica na existência de duas coisas consecutivas, a ideia de espaço envolve a existência de duas coisas não coincidentes, a ideia de causalidade envolve a existência de duas coisas, uma é produto da outra.
As condições de Dhyana contradizem as condições do pensamento normal; mas em Samadhi, a diferença é muito maior que em Dhyana. Enquanto Dhyana parece a simples união de duas coisas, Samadhi parece como se todas as coisas subitamente se juntassem e se unissem. Poder-se-ia dizer que em Dhyana existia ainda esta condição em estado latente: que o Um existente era oposto aos Muitos não existentes; mas em Samadhi, o Um e os Muitos são unidos em uma Fusão de Existência com Não Existência. Esta definição não é o resultado de reflexão de minha parte, está sendo feita de memória.
Outra diferença: é fácil conquistar a habilidade de obter Dhyana, após algum treino, podemos entrar naquele estado sem prática preliminar (e deste ponto de vista, podemos reconciliar os dois significados diversos que os autores dão a esta palavra, os quais discutimos no capítulo anterior). Visto de baixo, Dhyana parece um êxtase, uma experiência tão tremenda que não podemos imaginar algo além; mas visto de cima, é um mero estado mental, tão natural quanto qualquer outro. Frater Perdurabo, antes de obter Samadhi, escreveu isto sobre Dhyana em seu relatório: “Talvez, como resultado do intenso controle que a gente se esforça por obter, um ataque de nervos violento, como uma tempestade, seja provocado: isto nós chamamos de Dhyana. Tanto quanto posso conceber, Samadhi será apenas uma ampliação disto.”
Cinco anos mais tarde (após obter Samadhi várias vezes), ele não diria isto. Talvez dissesse que Samadhi é a mente fluindo, numa corrente continua, do ego ao não ego, sem se tornar cônscia de nenhum dos dois; e este fenômeno é acompanhado por um maravilhamento e uma felicidade sempre crescentes. Ele pode compreender que isto seja o resultado natural de Dhyana, mas não pode mais chamar Dhyana, como antes, de precursor de Samadhi. Ele não tem certeza das condições que induzem Samadhi. Ele pode produzir Dhyana à vontade, no curso de alguns minutos de concentração, e o fenômeno frequentemente ocorre de maneira aparentemente espontânea. Mas com Samadhi, infelizmente, este não é o caso. Ele provavelmente pode conseguir Samadhi à vontade, mas não sabe dizer precisamente como, nem predizer quanto tempo levará antes do fenômeno ocorrer; e não pode ter certeza completa de que o conseguiria.
Todos têm certeza de que podemos caminhar um quilômetro sobre uma estrada plana. Conhecemos as condições, e ser ia preciso um conjunto muito extraordinário de circunstâncias para nos impedir de completar a caminhada. Mas é igualmente certo dizer: “Eu já escalei o Everest e sei que posso escalá-lo novamente.” No entanto, existe um conjunto de circunstâncias possíveis, e mais ou menos prováveis, que poderiam impedir o nosso sucesso.
Nós sabemos isto ao certo: que se o pensamento for conservado único e firme, Dhyana ocorre. Mas não sabemos se uma simples intensificação disto é suficiente para causar Samadhi, ou se outras condições adicionais (ou outras circunstâncias bem diversas) são necessárias.
Uma das condições adicionais de querer obter Samadhi. Isto não é tão simples quanto possa parecer. Dhyana glorifica o ego: Samadhi o destrói. Muita gente evita obter Samadhi, enquanto finge (para si mesma e para outros) que o persegue apaixonadamente. Mas há sem dúvida outras condições, não necessariamente subjetivas. Só a experiência sistemática de um grande número de pesquisadores ampliará o presente “estado da ciência”.
Obter Dhyana já é ciência. A obtenção de Samadhi continua no terreno do empirismo.
Um dos autores clássicos diz (se nossa memória não nos engana) que doze segundos de concentração dão Dharana, quarenta e quatro dão Dhyana, e mil setecentos e vinte e oito dão Samadhi. E Vivekananda, comentando Patanjali, faz de Dhyana um mero prolongamento de Dharana, mas acrescenta: “Suponhamos que eu estivesse meditando sobre um livro, e gradualmente conseguisse concentrar minha mente sobre ele até perceber apenas a sensação interna, o significado subentendido em qualquer forma material: este estado de Dhyana é chamado Samadhi”.
Outros autores opinam que Samadhi resulta de meditar sobre assuntos que são, em si mesmos, “dignos”. Por exemplo, Vivekananda diz: “Pense em qualquer assunto santo.” E explica a recomendação da seguinte forma: “Isto não significa qualquer assunto malvado.” (!)
Frater Perdurabo hesitaria em afirmar que conseguiu Dhyana meditando sobre objetos “comuns.” Ele abandonou a prática deste tipo de meditação após alguns meses, e começou a meditar sobre os chacras, etc. Também, Dhyana começou a ocorrer com tantas frequências que ele parou de registrar a ocorrência. Mas se desejasse atingir aquele estado neste instante, ele escolheria algo para excitar seu “temor a Deus”, ou “reverência”, ou “maravilhamento” 23). Não existe qualquer motivo aparente porque Dhyana não deva ocorrer ao pensarmos em algum objeto comum numa praia – por exemplo, um siri. Mas Frater Perdurabo constante referencia a este como o objeto normal de sua meditação que não precisa ser tomada au pied de la lettre 24). Seus registros de meditação não contêm qualquer referência a este notável animal.
Será esplêndido quando uma pesquisa disciplinada, usando métodos científicos, executada por muitas pessoas, permitir a determinação das condições de Samadhi. Por enquanto, não parece ser contraproducente seguirmos simplesmente a tradição de nossos antecessores, e usarmos os mesmos objetos de meditação que eles usaram – com uma única exceção que mencionaremos adiante.
O primeiro tipo de objetos para meditação séria (isto é, já não mais a prática preliminar, em que devemos usar apenas objetos simples da vida diária, que são mais fáceis de manter definidos) são diversas partes de nosso corpo. Os hindus possuem um complicado sistema de anatomia e fisiologia que aparentemente não tem qualquer relação com os fatos de uma sala de dissecação. Proeminentes em seu sistema estão os sete chacras, que serão descritos na Parte II deste livro 25). Existem também vários “nervos”, igualmente mitológicos.
O segundo tipo são objetos de devoção, tais como a ideia ou a forma da Deidade, ou o coração ou o corpo do nosso Instrutor, ou de algum homem que respeitamos profundamente. Esta prática não é recomendável, porque estimula os preconceitos na mente.
Podemos também meditar sobre nossos sonhos. Isto parece superstição; mas a ideia é que você já tem uma tendência, independente de sua vontade consciente, a pensar nessas coisas (ou não sonharia sobre elas); consequentemente lhe será mais fácil se concentrar sobre elas do que sobre outras.
Você pode também meditar sobre qualquer coisa que lhe agrade especialmente. Mas aqui, novamente, surge o perigo de estimular preconceitos.
Mas com tudo isso, sentimo-nos inclinados a sugerir que será melhor, e de maior peso, se a meditação for dirigida a algum objeto que seja, em si, aparentemente sem importância. Nós não queremos que a mente se excite de nenhuma forma, nem mesmo por adoração. Veja os três métodos de meditação dados em Liber HHH 26). Ao mesmo tempo, não podemos negar que será muito mais fácil se escolhermos alguma ideia sobre a qual a mente tenda a fluir naturalmente.
Os hindus afirmam que a natureza do objeto da meditação determina o Samadhi, isto é, esses Samadhis menos elevados que conferem os assim chamados “poderes mágicos”. Por exemplo, há os Yogapravritti. Meditando sobre a ponta do nosso nariz, obtemos aquilo que se poderia chamar “o cheiro ideal” – isto é, um cheiro que não é nenhum cheiro em particular, mas que é o cheiro arquetípico, do qual todos os cheiros perceptíveis são modificações. É o “cheiro que não é um cheiro”. Esta é a única descrição razoável: pois a experiência sendo contrária à razão, é consequentemente razoável que as palavras que a descrevem sejam assim também 27).
Da mesma forma, concentração sobre a ponta da língua dá o “gosto ideal”; sobre o dorso da língua, o “tato ideal”. O Bhikku Ananda Metteya dá a seguinte deserção desta experiência: “Todo átomo do corpo entra em contato com todo átomo do Universo simultaneamente.” A meditação sobre a raiz da língua dá o “som ideal”, e meditação sobre a faringe dá a “visão ideal” 28).
O mais importante desses êxtases, porém, é Atmadarshana, o qual para alguns (e estes não os de menor experiência) é o primeiro verdadeiro Samadhi; pois mesmo as visões de “Deus” e do “Augoeides” estão manchadas pela forma. Em Atmadarshana, o Todo se manifesta como o Um: é o Universo livre de quaisquer condições. Não só são todas as formas e ideias destruídas, mas também as concepções que jazem implícitas em nossas ideias daquelas ideias 29). Cada parte do Universo torna-se o Todo, e causa e efeito não mais são separados.
Mas é completamente impossível descrever este estado mental. Podemos apenas especificar algumas de suas características, como fizemos acima; mas a linguagem usada não deve formar qualquer imagem na mente. É impossível a qualquer pessoa que experimente este estado trazer de volta dele qualquer imagem exprimível no estado mental normal. Nem podemos conceber qualquer estado que transcenda Atmadarshana, quando voltamos de Atmadarshana!
No entanto, existe um Samadhi muito mais elevado, chamado Shivadarshana; do qual é apenas necessário dizer que é a destruição do estado prévio: a aniquilação de Atmadarshana. Para conceber esta extinção devemos imaginar o Nada (único nome possível para isto) como positivo, em vez de negativo.
A mente normal é como uma vela num quarto escuro. Se você abre as janelas, a luz do sol torna a chama invisível. Esta é uma imagem mais ou menos adequada de Dhyana 30).
Mas a mente se recusa a encontrar uma imagem para Atmadarshana. Parece fraco dizer apenas que, se todas as estrelas do universo se juntassem subitamente, apagariam também a luz do sol. Porém, se aceitarmos dizer isto, e procurarmos outra imagem para Shivadarshana, devemos nos imaginar percebendo que esse braseiro universal é escuridão; não uma luz muito fraca comparada com outra luz, mas escuridão em si. Não é uma transição do minúsculo para o vasto, ou mesmo do finito para o infinito. É a percepção do fato de que o positivo é apenas o negativo. A “verdade final” de Atmadarshana é percebida não apenas como falsa, mas como a contradição lógica da “verdadeira verdade”. E completamente inútil prolongar este tema, que até o presente tem derrotado todas as mentes que procuraram expressá-lo. Nós tentamos aqui dizer o mínimo, e não o máximo, possível 31).
Ainda mais longe do nosso propósito de sermos simples estaria comentarmos aqui as inumeráveis discussões entre místicos sobre se Shivadarshana é o derradeiro Samadhi, ou sobre o efeito de Shivadarshana em nossa vida subsequente. Basta dizermos que até mesmo o primeiro e mais efêmero dos Dhyana nos paga mil vezes pelas dores que podemos ter tido buscando alcançá-lo.
E existe mais um encorajamento para principiantes: todo trabalho que se executa nessa direção tem efeito cumulativo. Todo ato dirigido à consecução espiritual é mais uma pedra acrescentada à pirâmide de um destino que algum dia chegará a fluir. Possam todos conseguir!
Resumo
P. Que é o gênio, e como é produzido?
R. Examinemos diversos exemplos de gênio, e tentemos encontrar algo em comum entre eles, que não seja encontrado em outros tipos de inteligência.
P. Existe algo em comum?
R. Sim: todos os gênios têm o hábito da concentração mental, e em via de regra necessitam longos períodos de solidão para adquirir esse hábito. Em particular, todos os maiores gênios religiosos se retiraram do mundo em alguma fase de suas vidas, e começaram a ensinar imediatamente ao retornar ao mundo.
P. Qual é a vantagem de um tal retiro? Nós pensaríamos que um homem que fizesse isto perceberia, ao voltar, que estava s em contato com sua época, e em tudo menos capaz do que era antes.
R No entanto, cada um deles afirma, se bem que em linguagem diversa, que durante sua ausência obteve algum poder sobre-humano.
P. Você acredita nisso?
R. Não fica bem rejeitarmos sem exame as declarações de homens que são respeitados por tantos dos nossos semelhantes. Temos que refutá-las com provas, ou pelo menos explicar como eles se enganaram. Ora, cada um desses homens deixou regras para serem seguidas. O único método cientifico consiste em repetirmos os experimentos deles, e assim confirmar ou invalidar seus resultados.
P. Mas as regras que eles deram diferem tanto umas das outras!
R. Apenas no fato de que cada um deles estava limitado por condições, de raça, clima, linguagem e período cultural. Existe uma identidade básica nos métodos de todos eles.
P. Prove isso!
R. Foi a grande obra da vida de Frater Perdurabo provar isso. Estudando as práticas de cada uma das grandes religiões em seu lugar de origem, ele pôde demonstrar a relação entre elas todas, e formulou um método livre de dogma, baseado apenas nos fatos comprovados da anatomia, da fisiologia e da psicologia.
P. Pode me dar um breve resumo desse método?
R. A idéia básica é a de que o Infinito, o Absoluto, Deus, a Sobre-Alma, ou o que você quiser chamar aquilo, está sempre presente em todos nós, mas velado ou fantasiado pelos pensamentos de nossas mentes, da mesma forma que não podemos ouvir as batidas de nosso coração no meio do tráfego de uma cidade barulhenta.
P. E então?
R. Para obter conhecimento direto Daquilo, é apenas necessário parar todos os pensamentos.
P. Mas no sono o pensamento está parado.
R. Talvez sim, superficialmente falando; mas a função que percebe também está parada.
P. Então, você deseja obter uma perfeita vigilância e atenção por parte da mente, que não sejam interrompidas pela aparição de pensamentos?
R. Exato.
P. E como você faz para conseguir isso?
R. Primeiro, nós aquietamos o corpo através da prática chamada Asana. Segundo, as seguramos a regularidade e a saúde do corpo através da prática chamada Pranayama. Desta forma, nenhuma mensagem do corpo perturbará a concentração mental. Depois, através de Yama e Niyama, nós aquietamos as emoções e as paixões, e assim impedimos que também estas apareçam para perturbar a mente. Depois, através de Pratyahara, analisamos nossas mentes ainda mais a fundo, e começamos a suprimir os pensamentos em geral, de qualquer tipo. A seguir, suprimimos todos os pensamentos a não ser um só, no qual buscamos nos concentrar diretamente. Este processo, que leva à mais alta consecução, consiste de três fases, Dharana, Dhyana e Samadhi, as quais são agrupadas sob o nome único de Samyama.
P. Como posso obter maior conhecimento e experiência dessas coisas?
R. A A∴A∴ é uma organização cujos chefes obtiveram através de experiência pessoal o auge dessa ciência. Eles fundaram um sistema pelo qual qualquer pessoa persistente pode atingir a meta, e isto com uma rapidez e facilidade previamente impossíveis.
O primeiro grau em seu sistema é o de
ESTUDANTE.
Um Estudante precisa possuir os seguintes livros:
- The Equinox,
- 777.
- Konx Om Pax.
- Collected Works of A. Crowley; Tannhauser, The Sword of Song, Time, Eleusis. 3 vols.
- Raja Yoga, de Swami Vivekananda.
- O Shiva Sanhita ou o Hathayoga Pradipika.
- O Tao Teh Ching e Os Escritos e Chuang Tsu: S.B.E. xxxix, xl.
- O Guia Espiritual, de Miguel de Molinos.
- Dogma e Ritual de Alta Magia, de Eliphas Levi, ou sua tradução por A. E. Waite.
- A Goetia do Lemegeton do Rei Salomão.
Esses livros devem ser bem estudados em qualquer caso, em conjunto com a segunda parte – Magick – deste Livro 4.
O estudo destes livros dá uma base sólida no aspecto intelectual de Seu sistema.
Depois de três meses, o Estudante é examinado nesses livros, e se o seu conhecimento for considerado satisfatório, ele pode se tornar um Probacionista, recebendo Liber LXI e o livro sagrado secreto, Liber LXV. O objetivo principal deste grau é que o Probacionista tenha um mestre indicado, cuja experiência pode guiá-lo em seu trabalho.
Ele pode escolher qualquer prática que ele preferir, mas em qualquer caso, deve manter um registro exato, de modo que ele possa descobrir a relação de causa e efeito em seu trabalho, e para que a A∴A∴ possa julgar seu progresso, e dirigir seus estudos posteriores.
Após um ano de probação, ele pode ser admitido como um Neófito da A∴A∴, e receber o livro sagrado secreto Liber VII.
Estas são as principais instruções de práticas que todo probacionista deve completar: Libri E, A, O, III, XXX, CLXXV, CC, CCVI e CMXIII.
Traduzido por Frater Adjuvo (Marcelo Ramos Motta).
Livro 4, Parte 1 · Livro 4, Parte 2 · Magick em Teoria e Prática (Livro 4, Parte 3) · Equinócio dos Deuses (Livro 4, Parte 4)
Thelema
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