Capítulo XII Do Sacrifício de Sangue: e Assuntos Cognatos.
Magick em Teoria e Prática
É necessário que consideremos cuidadosamente os problemas relacionados com o sacrifício de sangue, pois esta questão é, de fato, tradicionalmente importante na Magia. Quase toda a Magia antiga gira em torno deste assunto. Em particular, todas as religiões Osirianas – os ritos do Deus que Morre – referem-se a isso. O assassinato de Osíris e Adonis, a mutilação de Átis; os cultos do México e do Peru; a história de Hércules ou Melcarth; as lendas de Dioniso e de Mitra, estão todos ligados a essa única ideia. Na religião hebraica, encontramos a mesma coisa inculcada. A primeira lição ética na Bíblia é que o único sacrifício agradável ao Senhor é o sacrifício de sangue; Abel, que fez isso, buscando benevolência do Senhor, enquanto Caim, que ofereceu couves, era muito naturalmente considerado uma zombaria barata. A ideia se repete de novo e de novo. Temos o sacrifício da Páscoa judaica, seguindo a história de Abraão, sendo ordenado a sacrificar o seu filho primogênito, com a ideia da substituição do animal pela vida humana. A cerimônia anual dos dois bodes realiza isso em perpetuidade. E vemos novamente o domínio desta ideia no romance de Esther, onde Haman e Mardoqueu são as duas cabras ou deuses; e, finalmente, na apresentação do rito de Purim na Palestina, onde Jesus e Barrabás passaram a ser os Bodes naquele determinado ano do qual ouvimos falar muito, sem data correta.
Este assunto deve ser estudado em O Ramo de Ouro, onde é mais compreensivelmente estabelecido pelo Dr. J. G. Frazer.
Muito já foi dito para mostrar que o sacrifício de sangue desde tempos imemoriais tem sido a parte mais considerada da Magia. A ética da coisa parece não dizer respeito a ninguém; nem, para dizer a verdade, ela precisa fazê-lo. Como diz São Paulo, “sem derramamento de sangue não há remissão”; e quem somos nós para discutir com São Paulo? Mas, depois de tudo isso, está aberto a qualquer um ter qualquer opinião que goste sobre o assunto, ou qualquer outro assunto, graças a Deus! Ao mesmo tempo, é mais necessário estudar o assunto, o que quer estejamos para fazer com isso; pois nossa própria ética irá, naturalmente, depender de nossa teoria do universo. Se estivéssemos completamente certos, por exemplo, de que todo mundo vai para o céu quando morre, não poderia haver nenhuma objeção séria ao assassinato ou suicídio, como é geralmente admitido – por aqueles que não sabem nada – que a Terra não é um lugar tão agradável quanto o céu.
No entanto, há um mistério oculto nessa teoria do sacrifício de sangue que é de grande importância para o estudante e, por isso, não fazemos apologia. Nós nem deveríamos ter feito essa apologia para uma apologia, se não fosse pela solicitação de um piedoso jovem amigo de grande austeridade de caráter, que insistiu que a parte deste capítulo que segue agora – a parte que originalmente foi escrita – poderia nos levar a ser mal compreendidos. Isso não precisa acontecer.
O sangue é a vida. Esta instrução simples é explicada pelos hindus, dizendo que o sangue é o principal veículo de Prana vital 1). Existe algum terreno para a crença de que existe uma substância definida 2), ainda não isolada, cuja presença faz toda a diferença entre a matéria viva e morta. Passamos por merecido desprezo com os pseudo-experimentos científicos de charlatães americanos que afirmam ter estabelecido de que é perdido peso no momento da morte, e as afirmações infundadas de supostos videntes que viram a alma como uma emissão de vapor da boca das pessoas in articulo mortis; mas suas experiências como um explorador têm convencido o Mestre Therion de que a carne perde uma parte notável do seu valor nutritivo dentro de poucos minutos após a morte do animal, e que esta perda procede com redução constantemente rápida com o passar do tempo. Também geralmente é admitido que os alimentos vivos, como ostras, são as formas de energia mais assimiláveis e concentradas 3).
Experimentos de laboratório em valores nutritivos parecem ser quase inúteis, por razões que não podemos entrar aqui, o testemunho geral da humanidade parece um guia mais seguro.
Não seria sensato condenar como irracional a prática daqueles selvagens que rasgam o coração e o fígado de um adversário e os devoram enquanto ainda quentes. Em qualquer caso, essa era a teoria dos Magistas antigos, que qualquer ser vivo é um armazém de energia variando em quantidade de acordo com o tamanho e a saúde do animal, e em termos de qualidade de acordo com seu caráter mental e moral. Com a morte do animal, essa energia é liberada repentinamente.
Deste modo o animal deve ser morto 4) dentro do círculo, ou do Triângulo, conforme o caso, de modo que sua energia não possa escapar. Um animal deve ser selecionado, cuja natureza está de acordo com a da cerimônia – assim, ao sacrificar um cordeiro fêmea não se consegue obter qualquer quantidade de energia feroz útil para um Magista que estivesse invocando Marte. Nesse caso, um carneiro 5) seria mais adequado. E esse carneiro deveria ser virgem – todo o potencial de sua energia inicial total não deveria ter sido reduzida de forma alguma 6).
Para os trabalhos espirituais mais elevados devemos, portanto, escolher a vítima que contém a maior e mais pura força. Uma criança do sexo masculino de inocência perfeita e alta inteligência 7) é a vítima mais satisfatória e adequada.
Para evocações seria mais conveniente colocar o sangue da vítima no Triângulo – a ideia de que o espírito possa obter do sangue esta substância sutil, mas física, que era a quintessência de sua vida de modo a permitir que assuma uma forma visível e tangível 8).
Aqueles magistas que objetam ao uso de sangue têm se esforçado para substituí-lo com incenso. Para tal finalidade o incenso de Abramelin pode ser queimado em grandes quantidades. Manjerona também é um valioso meio. Ambos estes incensos são muito católicos em sua natureza, e adequados para praticamente qualquer materialização.
Mas o sacrifício de sangue, embora mais perigoso, é mais eficaz; e para quase todos os fins o sacrifício humano é o melhor. O Magista verdadeiramente grande será capaz de usar seu próprio sangue, ou possivelmente o de um discípulo, e isso sem sacrificar a vida física de forma irrevogável 9).
Um exemplo desse sacrifício é dado no Capítulo 44 de Liber 333. Esta Missa geralmente pode ser recomendada para a prática diária.
Uma última palavra sobre este assunto. Existe uma Operação Mágica de máxima importância: a Iniciação de um Novo Æon. Quando se torna necessário dizer uma Palavra, todo o Planeta deve ser banhado em sangue. Antes que o homem esteja pronto para aceitar a Lei de Thelema, a Grande Guerra deve ser lutada. Esse Sacrifício de Sangue é o ponto crítico da Cerimônia-Mundial da Proclamação de Hórus, a Criança Coroada e Conquistadora, como o Senhor do Æon 10).
Toda esta questão está profetizada no Livro da Lei em si; que o aluno tome nota, e entre às fileiras das Hostes do Sol.
II
Não há outro sacrifício em relação aos quais os Adeptos sempre mantiveram o mais profundo segredo. Trata-se do mistério supremo da Magia prática. Seu nome é a Fórmula da Rosa-Cruz. Neste caso, a vítima é sempre – em certo sentido – o próprio Magista, e o sacrifício deve coincidir com o enunciado do mais sublime e secreto nome de Deus o qual ele deseja invocar.
Corretamente realizada, nunca falha o seu efeito. Mas é difícil para o iniciante fazê-lo de forma satisfatória, porque é um grande esforço manter a mente concentrada sobre o propósito da cerimônia. A superação desta dificuldade é de máximo auxílio ao Magista.
Não é sensato que ele tente fazê-lo até que tenha recebido a iniciação regular na verdadeira 11) Ordem Rosa-Cruz, e ele precisa ter tomado os votos com a maior compreensão e experiência de seus significados. Também é extremamente desejável que ele devesse ter atingido um grau absoluto de emancipação moral 12), e aquela pureza de espírito que resulta de um perfeito entendimento de ambas as diferenças e harmonias dos planos da Árvore da Vida.
Por esta razão Frater Perdurabo nunca se atreveu a usar essa fórmula de uma forma totalmente cerimonial, salvo uma única vez, em uma ocasião de tremenda importância, quando, na verdade, não foi ele que fez a oferta, mas alguém nele. Pois ele percebeu um grave defeito em seu caráter moral que ele tem sido capaz de superar no plano intelectual, mas não nos planos superiores. Antes da conclusão da escrita deste livro, ele terá feito 13).
Os detalhes práticos do Sacrifício de Sangue podem ser estudados em vários manuais etnológicos, mas as conclusões gerais são resumidas em O Ramo de Ouro de Frazer, que é fortemente recomendado ao leitor. Detalhes cerimoniais reais da mesma forma podem ser deixados para experimentar. O método de abate é praticamente uniforme. O animal deve ser esfaqueado no coração, ou a sua garganta cortada, em ambos os casos pela faca. Todos os outros métodos de matar são menos eficazes; até mesmo no caso de Crucificação a morte é dada pelo esfaqueamento 14).
Pode-se observar que os animais de sangue quente só são usados como vítimas: com duas exceções principais. A primeira é a serpente, que só é usada em um ritual muito especial 15); o segundo são os besouros mágicos de Liber Legis. (Ver Parte IV).
Uma palavra de alerta é, talvez, necessária para o iniciante. A vítima deve estar em perfeita saúde – ou a sua energia pode ser como se fosse envenenada. Também não deve ser muito grande 16): a quantidade de energia desprendida é quase que inimaginavelmente grande, e fora de qualquer proporção prevista para a força do animal. Consequentemente, o Magista pode ser facilmente esmagado e obcecado pela força que ele desprende; ela provavelmente irá se manifestar em sua forma mais baixa e mais questionável. A espiritualidade mais intensa do propósito 17) é absolutamente essencial para a segurança.
Nas evocações o perigo não é tão grande, como o Círculo forma uma proteção; mas o círculo, nesse caso, deve ser protegido, não só pelos nomes de Deus e pelas Invocações utilizados ao mesmo tempo, mas por um longo hábito de defesa com sucesso 18).
Se você é facilmente perturbado ou alarmado, ou se você ainda não superou a tendência de vagar a mente, não é aconselhável que você execute o “Sacrifício de Sangue” 19).
No entanto, não deve ser esquecido que esta e as outras artes que temos ousado obscuramente aconselhar, são as fórmulas supremas da Magia Prática.
Também é provável ter problemas ao longo deste capítulo, a menos que você realmente compreenda o seu significado 20).
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